Quando Giovanni Boccaccio escreveu “O Decamerão”, a história dos jovens cercados, sitiados, pela desolação provocada pela peste que matara grande parte da população florentina e dizimara um terço da população europeia, ele nos remete à narração e ao registro de cem pequenas histórias contadas ao longo de dez dias para um grupo de sete moças e três rapazes que se abrigam num castelo perto de Florença. Boccaccio provavelmente iniciou Decamerão após a epidemia de 1348 e o concluiu em 1353. O Decamerão, porém, não é apenas uma obra que marca a fundação da narrativa moderna, escrita com humor
Flavio Tavares em seu ateliê, durante a elaboração da obra "O Claustro" ▪ 2021
e muita ironia e que documenta uma época na história da Europa. Trata-se de um retrato cultural, cotidiano e social de uma sociedade que migrava do feudalismo em direção à consolidação da burguesia.
Quando Flavio Tavares, em sua casa sitiada pelo vírus, se isola ele conta, para si mesmo (e para o possível futuro espectador), muitas das nossas histórias também. Do nosso momento. E utiliza as mídias para mostrar seu processo artístico. E regista suas narrativas para que hoje possamos também olhar a cidade, o país, o mundo em um momento de pandemia, em uma época de nossa história, que só com muito humor e ironia podemos suportar no isolamento do claustro de cada um, no contexto de uma peste agora global.
A partir de seu olhar de artista ele ilustra nosso momento político desesperador, obscurantista, em contraposição à cenas de sua memória de infância. Ele nos fala de sua mitologia pessoal baseada no inconsciente de uma cidade onde seu olhar se habituou a mergulhar como flaneur de seus próprios mitos , sonhos e pesadelos. Ele nos aponta o caminho desse espaço/ cidade/mundo que ele elegeu como fonte de pesquisa e vivência. Gabriel Garcia Marques criou sua Macondo, Tavares sua Parahyba (com y). Os dois a viam fantástica em suas situações mais banais tornadas ora sublimes, ora surreais.
Carnaval e política são retratados em dois dos paineis principais que compõem "O Claustro" (2021), em exibição na Galeria Archidy Picado, no Espaço Cultural José Lins do Rego ▪ Parahyba do Norte
Como nos diz Saramago: “Se podes ver, repara!” Porque pode ser grande a diferença para um artista entre ver (associado ao sentido físico, biológico da visão) e olhar que implica em uma apreciação demorada, profunda, interrogativa, poética e política.
O ato de vasculhar memórias e sensações é o produto de uma luta constante contra a anestesia do próximo minuto, do próximo ano... Em um contexto de apatia política e existencial onde a clausura de cada um de nós interrompeu bruscamente a velocidade das imagens própria de nossa sociedade de consumo, de nosso cotidiano pleno da superficialidade das percepções Flavio se torna o seu cronista que, sitiado, analisa o mundo distante e a si mesmo.
"Flavio Tavares passa horas dirigindo seu tempo a registrar os nossos e os seus fantasmas com uma imaginação que atravessa telhados, paredes ou muros que venham a deter o seu olhar."
Flaneur de almas, Flavio Tavares passa horas dirigindo seu tempo a registrar os nossos e os seus fantasmas com uma imaginação que atravessa telhados, paredes ou muros que venham a deter o seu olhar sobre ladeiras, becos , ruas, praças, quartos e quintais da cidade de Nossa Senhora das Neves. Nasce uma cidade surreal sobre a qual podia nos falar Aragon: “Nossas cidades são assim, povoadas por esfinges desconhecidas que não detêm o passante sonhador” A cidade de Flavio é território da memória, da fantasia e da história mesmo que ora esta seja contada por cegos ou surdos. Assim, ele atua como demiurgo aproximando deuses e homens, anjos e gente... no seu universo fantástico onde cria humanos híbridos, personagens trágicos ou satíricos que provocam dor ou riso pelo conhecimento ou pela tristeza. Nunca a indiferença.
Esses registros do inconsciente da cidade (e do mundo pois que uma cidade é um mundo, um pequeno povoado é um universo) se espalham em telas, papeis, pedras,
"O artista utiliza as mídias para mostrar seu processo artístico. E regista suas narrativas para que hoje possamos também olhar a cidade, o país, o mundo em um momento de pandemia".
madeiras, enfim, em todos os suportes que o artista possa tomar emprestado para contar suas histórias, as nossas histórias. Elas estão também espalhadas pelas paredes criadas por Flavio em seu claustro, na instalação que ele nos apresenta hoje presencialmente para que com ela possamos interagir.
A pandemia o isolou, mas não deteve o seu olhar. Do claustro pessoal ele continuou a fazer o retrato cultural de uma sociedade que migra de uma democracia doente para uma possível teocracia iconoclasta onde não há lugar para as imagens do artista, mas para todas as inquisições que vêm a reboque. Boccacio saía do medievo... nós, parecemos entrar.
Talvez por isso, para nos tornar cumplices de suas visões ele seduz o espectador que também é personagem de suas histórias. Aos poucos ele nos faz abandonar a posição de simples observador e a mergulhar no realismo fantástico de suas cenas. E sentimos então (ou não) o quanto a arte (como nos lembra Frederico Morais) além de armar o braço é, ao mesmo tempo, o mais confessional dos meios, diário intimo, eletrocardiograma, rebeldia travada no meio da noite: solitariamente. Obrigada Flavio pelo espelho que você coloca em frente ao nosso rosto.
Há muito que via e ouvia o cronista Carlos Romero elogiar e assistir com certa frequência à oitava sinfonia de Bruckner, uma de suas músicas favoritas. Sem ter ainda a necessária familiaridade com a obra, cuja dimensão e complexidade mereciam uma atenção mais dedicada, sempre me punha curioso. E pensei: se ele, que tão bem conhece música, é fascinado por esta sinfonia, decerto, é porque ela deve ter algo muito especial.
Até hoje, muito já se especulou sobre o grande pai da literatura ocidental. Era cego? Foi uma mulher? Era uma única pessoa ou várias? Pouca coisa se sabe a respeito do grego Homero, produto de uma longa tradição de poesia oral, fundador da poesia épica e, para muitos, da própria literatura ocidental, que nos deixou duas obras imortais: A Ilíada e A Odisseia. Esta última é um soberbo poema épico que se passa depois da queda de Troia (Ílion)
Além de quase médico, fui também quase cantor. Para entender como isto se deu é preciso remontar ao início da década de 1980, quando fiz o Mestrado no Rio de Janeiro. Como tinha tempo livre, pois fora liberado pela UFPB somente para estudar, resolvi fazer um curso de empostação vocal.
Decisão tomada, consultei os classificados do “Jornal do Brasil”, onde me deparei com um anúncio: “Sílvia Lamounier – rejuvenescimento vocal”. Era mais do que eu desejava: não apenas empostar, arranjar direito as sílabas, controlar a emissão da voz, mas também rejuvenescê-la. A professora morava numa transversal da Av. Nossa Senhora de Copacabana. Tive que ir de ônibus até lá, pois a linha de metrô que liga o Flamengo a Copacabana ainda estava em construção.
Antes de concluir a leitura, já me senti tonto. Parece um livreco de 80 páginas, mas é um pequeno ATLAS do Mundo.
Eu já havia escrito na apresentação do catálogo O CLAUSTRO (de Flávio Tavares) que Solha é um vitruviano, o homem de Vitrúvio, o homem dos sete instrumentos. Entende de tudo: Filosofia, Literatura, História, Mitologia, Teatro, Cinema... tem uma erudição extrema. Difícil de assimilá-lo numa primeira mirada.
Existem profissionais que de tão dedicados ao ofício terminam se confundindo com ele. São pessoas que se entregam ao que fazem de maneira tão plena e profunda que se tornam sinônimos de suas respectivas profissões. Este é, sem dúvida, o caso do paraibano Fernando Teixeira, que está para completar oitenta anos de vida e já celebra agora sessenta anos de carreira no mundo do teatro e do cinema, orquestras onde toca vários instrumentos.
Lamento
meu pai sorriu
à sombra da goiabeira
nada de rugas na face apenas a névoa
de um tempo escondido pela sombra das horas.
Sossego
como azeite para o palestino
: correria solta de menino pés no chão, barro batido
por trás da casa, o açude
banhando mãe, banhando filho, banhando primos tudo nu, sem malícia e nem milícia
Um livro de crônicas é um reencontro. Do escritor com seus textos acumulados pelo tempo. Do público com o cronista, agora em outra dimensão.
Provavelmente a seleção rigorosa do autor não possibilitará a cada leitor em particular o reconhecimento de sua crônica preferida. Aquela que, recortada com emoção e
Acervo A União ▪ Gov.PB
guardada há tanto tempo, ameaça desfazer-se em pó.
Como não relembrar aqui Juarez, o helênico, que foi preciso transcrever, a fim de que restasse preservada a continuidade da leitura?
Nenhum prefácio, por mais elucidativo, alcançará o poder de persuasão do recorte amarelado, até perdido entre outros papéis, mas que a memória identifica prontamente no arquivo de suas emoções. Um livro de crônicas tem essa peculiaridade. A extensão de inumeráveis páginas dispersas. Folhas volantes que se anteciparam em mistérios de anunciação.
É escassa e relativamente recente a reflexão teórico-crítica sobre este "pós-gênero literário, flexível e integrador, narrativa estruturalmente aberta" capaz de estabelecer-se como ponte entre a função da paraliteratura e a natureza da literatura. A iniciativa pioneira vem do professor Eduardo Portella, alertando para a necessidade de enfatizar a importância da crônica na moderna literatura brasileira. Segundo ele, isto significa valorizar "um esforço ponderável de configuração de um discurso poético qualificado".
O ajustamento da crônica à trama existencial complexa da sociedade de massa precisa ser examinado à distância do preconceito elitizante, onde tem origem a presunção de uma ordem hierárquica entre as espécies e formas literárias.
Privilegiando-se agora o romance, como em outras épocas parecia indiscutível a superioridade do poema épico sobre o lírico, da tragédia sobre a comédia. O julgamento e o prestígio dos gêneros determinados pelo contexto. Incidindo, assim, sobre as obras literárias, o mesmo modelo de separação e distanciamento que impera entre as classes sociais.
Minimizar o valor da crônica é ainda uma atitude comum, quando o argumento para sua configuração como discurso poético qualificado é o mesmo que servirá para qualquer gênero literário. "A crônica é literatura toda vez que o cronista se resolve em nível da linguagem".
Mas é rara a caracterização de um escritor, exclusivamente através da crônica. E não se trata apenas de uma dificuldade da crítica. Também os cronistas acentuam essa tendência. Ou porque quase todos se dedicam simultaneamente a outras formas literárias, ou porque deixam sempre transparecer que o exercício aprimorado deste "gênero não canonizado" é mais exercício que opção.
Trata-se de uma visão cultural tão arraigada que, mesmo o professor Jorge de Sá, a quem se deve até agora o estudo mais sistematizado sobre a crônica (o primeiro livro inteiramente dedicado ao gênero), enfoca Rubem Braga nesta perspectiva: "corajosamente ele só tem publicado crônicas". E completa:
"Certamente capaz de escrever contos, novelas e romances, não se deixou seduzir pelo brilho dos chamados gêneros nobres".
É fácil constatar como a literariedade não se inclui nestes parâmetros de julgamento da crônica. São outros os critérios que sustentam a insistente hierarquização dos gêneros. Critérios que deixam sem resposta convincente questões fundamentais:
Por que um romance seria necessariamente superior a um livro de crônicas?
Por que, em geral, não se estabelece esta mesma relação entre um romance e um livro de poemas?
Qual seria o superior, na comparação entre um livro de poemas e um livro de crônicas?
Nem Rubem Braga pôde fugir à realidade do confronto entre as duas espécies narrativas. Na sua visão poética,
"Há homens que são escritores e fazem livros que são verdadeiras casas, e ficam. Mas, o cronista de jornal é como o cigano que toda a noite arma a sua tenda e pela manhã a desmancha e vai".
"A crônica é uma tenda de cigano enquanto consciência da nossa transitoriedade, no entanto é casa — e bem sólida até — quando reunida em livro, onde se percebe com maior nitidez a busca de coerência no traçado da vida".
É irretocável o comentário do especialista. No entanto a pluralidade da metáfora permite a ousadia de outra leitura.
Rubem Braga (1913—1990) Div.
Sem opor à transitoriedade qualquer resistência. Mas compreendendo a tenda como o abrigo possível, o mais próximo desta desadorada avalanche humana que se caracteriza como sociedade de massa. Na pressa de não chegar. Na estridência de não ouvir. Na violência de não viver. No automatismo de não ser.
A crônica é o "domicílio em trânsito" desses "passageiros da agonia urbana". Trincheira de resistência da palavra poética que reordena o caos e reinventa o homem.
Para um reencontro com A Dama da Tarde (livro de crônicas de Luiz Augusto Crispim) na sutileza de sua imprevisibilidade, recorri ao caminho mais longo. Do gênero para a obra realizada.
Do elogio da crônica para o concerto destas rapsódias em azul, À sombra dos ipês em flor, onde o acento lírico de tom nitidamente proustiano atualiza o encanto daquela Última Página que foi para mim o princípio o verbo. E agora se confunde em justaposição com a "saudade da menina descalça que descia a ladeira de Tambiá no destino da Bica, rumo incerto de eternas férias que não voltam jamais".
Acompanhando pela vida inteira a produção intelectual de Luiz Augusto, escrevi avaliações analíticas sobre sua vocação de escritor, firmada essencialmente na crônica. Sobre os temas que se multiplicam como as possibilidades infinitas de percepção ou de imaginação do real. Sobre a excelência da visão crítica que se exprime através do humor habilmente construído. Sobre os recursos de elaboração de uma prosa poética em que o tecido do texto revela o escritor de muitas leituras, dominando inteiramente os processos e efeitos de sua construção.
São afirmações críticas que se reiteram, indicando pontos cardeais deste universo lírico reunido aqui sob critério antológico. Não é um livro extenso. Um pouco mais de cinquenta títulos. Mas de temas tão variados, com enfoques tão específicos e tratamento tão diversificado que fica difícil inventariar.
Estados de espírito materializados em substância poética. Destinos devastados, prodígios de sobrevivência sacralizados na perenidade das imagens. O cotidiano transfigurado pela perspectiva lírica. A violência mil vezes contestada. O riso que castiga os costumes. A doce melodia dos afetos. "a grande dor das coisas que passaram". A saudade que se inscreve desde o título como forma poética de resistência aos "novos tempos que dispensam testemunhas".
Tempos caracterizados na linguagem metafórica do cronista pelas "feições do asfalto maquilado sobre as ruas da inocência perdida" ou pelo "concreto que se projeta para o alto como blasfêmias de cimento e ferro atiradas contra os céus". Tempo que se confunde com a ideologia desenvolvimentista e impõe aos homens o equívoco de que é preciso "extrair o nervo do humanismo, aplicar-lhes uma boa dose de indiferença e, sobretudo, abandonar de uma vez por todas a memória".
É este o cronista, recuperando o sentido dos valores essenciais. O sentido original comunitário. Nesta resistência da palavra que destroça a prepotência burocrática com a ironia de Quem sou eu? Que recupera o amor no ritmo do diálogo de Montanha Russa. Que faz sobreviver o homem em Um sonho de Natal ou em O menino e o sonho.
O cronista em sua fase azul, entre o céu e o mar. Azul de alma de menina, de pássaro, de rapsódia. Azul de manhã flutuando ao vento, de olhos profundos, de palidez. Azul de historietas de porcelana. "Azuis na vida desta pobre gente de tão acinzentado viver".
O cronista, como o poeta, removendo as cinzas, despertando a brasa, sacudindo os homens do seu torpor.
▪ De “Um certo modo de ler”, sobre o livro A Dama da Tarde, de Luiz Augusto Crispim
“O pensamento parece uma coisa à toa,
mas como é que a gente voa,
quando começa a pensar...”
Impressionou-me a beleza que de repente eu via na letra de uma canção que passara a infância (final dos anos 40, começo dos 50) ouvindo, mas executada aceleradamente por seu Zé Salles, meu vizinho mineiro, lá em Sorocaba, acompanhado, na rede, pela própria viola, à maneira – evidentemente – da “Felicidade” de Lupicínio Rodrigues, na gravação do Quitandinha Serenaders, 1947.
Do mesmo modo, Roy Lichtenstein ampliou em óleo sobre tela um quadrinho de gibi (com texto e tudo) desenhado por Lyonel Feininger para uma das tiras diárias do “Chicago Tribune” e isso mudou tudo. O quadrinista – ao ver a fama angariada pelo outro com a peça - alegou-se lesado. Mas críticos de peso caíram em cima dele, como Giulio Carlo Argan, que explicou:
"Lichtenstein isola uma dessas imagens de comunicação de massa mais consumidos (na época sem nenhuma pretensão a obras de arte) e a reproduz à mão, ampliada. Retira-a, assim, do ‘consumo’ normal, olha-a pelo microscópio, reconstrói seu tecido (na prática, o ‘retículo’ tipográfico), utilizando uma técnica gráfica e pictórica. Com isso, recupera a imagem arquetípica, produz uma retroversão dela, da serialidade ao unicum, de uma tecnologia industrial a uma técnica artesanal, antecipando a descoberta de um conhecido teórico da informação, McLuhan: a de que a verdadeira mensagem é o medium".
Já em outubro de 1608, o óptico holandês Johann Lippershey entregou ao governo de seu país uma luneta de longo alcance destinada ao uso da marinha, informando que o aparelho fora inventado por ele, por James Metius de Alkamaar e por Zacharias Jansen.
Você seria capaz de repetir esses três nomes agora? Não, mas é claro que conhece — e muito — o de Galileu Galilei que, dois anos depois, pegou o fabuloso instrumento e revolucionou a ciência... virando-o para o céu! Só isso? Bem, ele deu uma guaribada no bregueço... e bolou mais outros babados, deixando a trinca holandesa mais ou menos como o cientista da anedota ao dizer numa entrevista, revoltado: “Quem inventou o limpador de para-brisa fui eu. O americano só fez botá-lo do lado de fora!”
Copérnico já falava em heliocentrismo, mas escondera a conclusão com medo da Igreja, enquanto o mesmo Galileu do telescópio – apesar de medo igual - PROVOU (ao descobrir, com esse bendito aparelho, quatro luas em Júpiter) que a Terra não é o centro do universo.
Todo mundo se surpreende com o fato de que Santo Agostinho escreveu o seguinte, mil e duzentos anos antes de Descartes: “Os céticos estão redondamente enganados, pois para que eu duvide de qualquer coisa, ou de tudo... é preciso que eu exista. Dado que o fato de eu existir é uma verdade que conheço com absoluta certeza, é falso dizer que não podemos conhecer nada ou que é impossível para nós ter certeza de qualquer coisa”. E se estivesse redondamente enganado? Ele completa, genial:
Como se explica, então, toda a fama do filósofo francês pela frase “Penso, logo existo?” É o mesmo problema de Feininger e seu quadrinho, que Lichtenstein ampliou.
Bertrand Russell:
"É que Santo Agostinho não deu destaque a seu argumento, e o problema que tentava resolver com ele ocupou somente uma pequena parte de seus pensamentos. A originalidade de Descartes, portanto, deve ser admitida, embora consista menos em inventar o argumento que em perceber sua importância."
Jacopo della Quercia, escultor, participou do concurso — vencido por Ghiberto — para a reconstrução das portas do batistério de Florença. Ninguém dava a esse artista másculo de Bolonha – nessa, nem em qualquer outra ocasião — a importância que ele merecia... a não ser o jovem Buonarroti, no século seguinte, que lhe estudou os trabalhos, a concepção escultural maciça, a vitalidade plástica... e se tornou... Michelangelo.
Colombo morreu em 1506 SEM SABER QUE DESCOBRIRA UM NOVO CONTINENTE, catorze anos antes – 1492. Pensou que descobrira o tão buscado caminho das Índias. Por isso até hoje nossos apaches, aztecas e guaranis têm o nome de “índios”. De sua... gigantesca bobeada... se deu que a terra descoberta acabou recebendo, em 1507, o nome de América, numa indevida homenagem ao AMÉRICO Vespúcio, que sacara um “Mundus Novus” no que vira em suas viagens bem posteriores.
O espanhol Vicente Yánez Pinzon descobriu o Brasil em janeiro de 1500, quando chegou ao Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco, a que deu o nome de Santa Maria de la Consolacion. DETALHE: como o gigantesco território estava dentro das 100 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde – área portuguesa, portanto, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, de 1493 – seu feito foi tornado sem efeito. Mas é claro que Cabral não veio bater aqui devido a uma “calmaria”.
O movimento artístico internacional Naturalista, que – revolucionariamente - deixara a Arte acadêmica dos estúdios vigente no final do século XVIII, e partira para o plein air – a pintura ao ar livre — servindo-se, inclusive, da fotografia para suas belíssimas criações, foi atropelado pelo escândalo do Impressionismo, depois cubismo, abstracionismo... e desapareceu nos sótãos e porões das galerias e museus de toda a Europa. Daí que... pobre do grande Pascal-Adolphe-Jean Dagnan-Bouveret, pobre do grande George Clausen, pobre do grande István Csók, pobre do grande Frans van Leeputten, todos literalmente apagados por Picasso, Kankinsky e Renoir.
Alfred Russel Wallace, em fevereiro de 1858, escreveu um ensaio no qual praticamente definiu as bases da teoria da evolução. Mas... o enviou a Darwin, com quem mantinha correspondência, pedindo ao colega uma avaliação do mérito de sua teoria. O outro tratou de terminar e expor rapidamente a própria teoria, A Origem das Espécies, que foi publicada no ano seguinte, escanteando o amigo.
Johan Georg van Soldner publicou em 1804 uma obra em que defendia que os raios de luz têm corpúsculos e estão sujeitos ao efeito da gravidade, como já o suspeitava Newton. Levando a ideia avante, estimou um desvio angular de 0,84” da posição relativa das estrelas próximas ao contorno do disco solar, teoria que foi – pelas limitações da época – incapaz de provar. Em 1919, conseguiu-se isso - com uma correção para 1,75º - durante um eclipse total na Ilha do Príncipe, e quem levou a fama foi... Einstein.
Mas toda regra tem exceção: após a II guerra mundial, um musicólogo de Milão, Remo Giazzoto, pesquisava para uma biografia de Albinoni, quando, ao analisar antigos manuscritos dele, na biblioteca de Dresden, descobriu uma única linha de música para contrabaixo e alguns acordes para violino, que seriam de uma sonata sacra. Desenvolveu uma peça para órgão e cordas, e eis... o Adágio... de Giazotto, que TODO MUNDO CONHECE como Adágio de Albinoni.
Há um discurso shakespeariano antológico, proferido pelo jovem rei da Inglaterra, Henrique V, nos momentos que antecedem a Batalha de Agincourt, ocorrida nos pântanos ao norte da França no dia de São Crispim Crispiniano de 1415, insuflando seus seis mil ingleses contra os vinte e quatro mil franceses, que foram derrotados... pela retórica? Sim, na versão de Shakespeare. Mas... Não: na verdade foram vencidos pela lama que lhes retardou a cavalaria, que assim se expôs a uma... novidade inglesa: a saraivada de flechas dos arcos longos galeses — longbows —...que a versão cinematográfica de Laurence Olivier romanticamente omitiu, a de Branagh — pragmaticamente — não.
Pedro Américo e seu irmão Francisco Aurélio pintaram Tiradentes como um sósia de Cristo. Mas andei vasculhando o processo para uma possível peça teatral em cima do mártir da Independência e soube: o mineiro era estrábico e estava com a cabeça raspada pra execução.
“No mundo civilizado tende-se a pensar que há recursos como o psicólogo para arrumar as coisas. O que este livro diz é que nada se arruma. A dor é a dor, e quando não há maneira de contê-la reage-se com raiva.” Domenico Starnone
A foto ilustra a publicação de discurso de Samuel Duarte no número 12 de Paraíba Cultura, revista anual editada para documentar as “Noites de Cultura”, quando o governo do Estado premia os destaques do setor. O ano foi o de 1997.
A foto é do início dos anos 1940, com Samuel Duarte na Secretaria do Interior e Justiça, àquele tempo o cargo mais importante na hierarquia do Estado, logo depois do governador. O Secretário do Interior respondia pelo governador em suas ausências.
Nela reconhecemos, além do secretário Samuel, o professor Emanuel de Miranda Henriques (que está de roupa escura à direita), que viria se destacar como diretor do Liceu no governo José Américo; e José Simeão Leal, (de gravata borboleta) diretor de divisão da secretaria, a Divisão de Serviço Público, cargo que exerceu até 1944. Concentra-se nele, em Simeão, a razão deste registro.
Qual o destino de Aglaia Negromonte? Desdobramento? Fuga da realidade? Delírio? Fênix renascida, vitoriosa sobre os seus medos e suas perdas? Cabe ao leitor decidir. Para uma personagem cindida, nada como uma narrativa cindida a ser fruída tanto mais quanto se é decifrada... até onde ela permite.
Uma pessoa me aborda na calçadinha da orla com uma conversa que me causou surpresa. Ela diz que fui o primeiro comunicador a fazer debate político no rádio, em João Pessoa. Sinceramente, não tenho nenhum registro desse fato na memória. Otinaldo Lourenço, memória viva do rádio, recentemente falecido, poderia esclarecer melhor o assunto. Penso que de tão óbvio, debate político é uma coisa que deve ter surgido no rádio naturalmente, não é criação de agora. O que posso dizer é que mediei um debate no rádio, numa época em que não existia emissora de TV em João Pessoa. A capital só tinha três emissoras de ondas médias e duas de frequência modulada.
A seguinte frase atribuída admirável poetisa e contista goiana, Cora Coralina - pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (1889-1985) - resume a coragem da decisão: "Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir".
Sucessivas gerações lembram com saudade, certamente, dos antigos cinejornais, sobretudo do mais famoso deles, o icônico Canal 100, “o maior acervo cinematográfico do futebol brasileiro”, na justa avaliação dos seus idealizadores.
Para os que não sabem, aquilo que ia, semanalmente, aos cinemas do Brasil era muito mais do que a cobertura dos campeonatos e jogos amistosos. Conta-se que de 1959 até 1986, com um cinejornal por semana, o Canal 100, criação de Carlos Niemeyer com ajuda de Jean Manzon, difundiu 70 mil minutos de imagens sobre os principais acontecimentos jornalísticos de sua época.
Vida e morte são o continuar dos passos
o ir e vir para não se sabe onde.
A única diferença é que, no fim,
não se poderá mais contar os passos....
A vida é mais irônica
que as palavras.
Mais do que a vida
a certeza
e inumeráveis escombros.