Por mais irônico que possa ser, a partida da pessoa que me era tão preciosa e que a princípio me pareceu um castigo que Deus estava impingindo a mim e aos meus filhos, acabou sendo um marco para uma reflexão sobre a vida, sobre as pessoas, sobre os relacionamentos, enfim, sobre o sentido real do que é viver. Não se aprende literalmente nada com a morte, mas aprende-se com a sobrevivência que nos leva a lutar diariamente para edificar o que restou de nós.
Presenciar a fragilidade que liga vida e morte mudou todos os conceitos que antes me norteavam, principalmente quanto às pessoas que me rodeavam. Queria senti-los integralmente sem preconceitos, sem julgamentos quanto às suas atitudes ou maneiras de agir, ou de ser. Descobri que somos infinitamente pequenos para julgarmos uns aos outros e que temos que ter humildade suficiente para convivermos com as diferenças que todos possuímos. Acredito que a vida nos presenteia diariamente com a oportunidade de aprendermos algo e nada melhor do que estarmos atentos para aprendermos com aqueles com quem convivemos. Basta isentarmo-nos dos sentimentos de arrogância, de detentores dos saberes, que as lições aparecem das mais inesperadas formas, o que nos fortalece para estabelecermos o que é melhor para nossa própria vida.
A morte me fez entender a imensa realidade do que é viver e adquiri um tremendo respeito por todos os seres vivos. Desenvolvi também novos valores, fiquei mais tolerante, mais flexível e com menos ansiedade.
Desenvolvi uma relação de enorme carinho comigo mesma, tendo muito cuidado em escolher o que realmente me faz feliz. Pondero que as coisas importantes independem de dinheiro ou de grande dispêndio de tempo para terem valor: são os gestos de delicadeza, são as palavras de incentivo e elogio que recebo e retribuo, são os afagos e carinhos com que me tocam e principalmente, a generosidade que algumas pessoas possuem. Não a generosidade dos presentes, das doações e, sim, a generosidade das pequenas ações que refletem amor, alegria, companheirismo, amizade.
Sei que não tenho uma máquina do tempo que o faça retroceder para as coisas ocorrerem de forma diferente do que aconteceram e que, se continuar revivendo, chorando o passado, estarei perdendo o presente, deixando de lado a opção de construir o futuro, de recuperar a estabilidade, a energia, a esperança e a capacidade de criar, de ter prazer em investir na vida.
Não é fácil lutar contra a apatia, a vontade de permanecer eternamente vítima, sendo consolada e deixar a vida girar colocando a culpa na dor e na saudade.
Se não fizermos um grande esforço para reaprendermos a desfrutar a vida, para cuidarmos de nossas próprias necessidades, para voltarmos a dar um sentido à nossa existência e principalmente, para assumirmos a responsabilidade por nossa felicidade, estaremos fadados a nos petrificarmos tanto física quanto emocionalmente.
Coordenar planos sem a presença de alguém que por tanto tempo foi companheiro é pesado, mas ao mesmo tempo, muito enriquecedor, pois me proporcionou a oportunidade de alavancar o que é exclusivamente meu, inteiramente assumido por mim. Fortaleceu-me para eu percorrer as propostas que a vida ia me apresentando de maneira mais consciente e com mais força para realizá-las.
— Do livro “Tempo de contar telhas" a ser lançado pela autora