Foi uma cena emocionante: passei por uma meninota; ela me sorriu. Voltei e logo a mãe desgastada, a pele amarrotada, os cabelos descuid...

Boneca Joana

boneca vovo
Foi uma cena emocionante: passei por uma meninota; ela me sorriu. Voltei e logo a mãe desgastada, a pele amarrotada, os cabelos descuidados se achegou. Saiu daquele beco que une a Praça Rio Branco à General Osório. Naquele fiapo de ruela a que aludi, entram muitos veículos e pouco de calçada sobra para os transeuntes.

A garotinha, em andrajos, vestida pobremente, sorria como anjo, alegria em erguer uma bonequinha encontrada no referido beco esguio. Estava o brinquedo com pernas balouçantes, placas sutis de sujeira, atacada pelo uso. Pensei numa casa, em Jaguaribe, chamada de Hospital dos Brinquedos, mas não tenho certeza de que ainda existe.

Os brinquedos físicos correram para telinhas, salvo os que teimaram em continuar em seus tradicionais formatos: heróis e heroínas, fadas, etc. Antigamente, as pirralhas treinavam, com mais frequência, ser mães com bebês de louça ou de pano. Ocorre-me uma frase do grande escritor Monteiro Lobato que acho fenomenal: “Existe o tempo da boneca e de ser mãe”.

É um treino salutar do instinto. Muitas acariciam o objeto entre os braços, cuidam quais filhos (as) reais. O lúdico tem essa finalidade. “Como se chama? ” – indaguei o nome dado à bonequinha. Joana. Por que Joana e não outro nome charmoso, hoje pronunciado nas pias batismais e cartórios? A mãe se apressou: “É o da avó dela, minha mãe”.

A garotinha começou a chorar convulsivamente. Esqueci os compromissos, procurei uma ponta de batente, onde ambas estavam sentadas. Fiz-me da família circunstante. Soube que a mulher era mãe solteira, a menina filha de pai desconhecido, a avó ficara em casa, cuidada por vizinhos.

Abrindo um saco, a mulher puxou alguns paninhos de enxugar pratos. Vivia de biscates. Olhei a garota que tocava as pernas quebradas e moles da boneca, “Vovó, vovó”. Falei que poderia ajudar a consertar o brinquedo. “Mas ela não quer, senhor! ” Realmente, a menina ficou emburrada, quando percebeu minha proposta, caindo num pranto incontido.

E a mãe, procurando acalmá-la: “O homem não vai mexer com sua bonequinha, meu bem”.

A conversa terminou quando a pobre mulher me confessou que a vó fora vítima de um acidente. As pernas eram moles e balançavam; não falava, entrevada numa cadeira de rodas. Uma boneca velha. Dona Joana. O sorriso floresceu nos lábios da garotinha: “Amo vovó”.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também