Não é todo dia que se diz uma coisa destas: “Só o que nos comove e sacode aumenta a nossa cultura. Há pessoas, por exemplo, e eu me encontro entre elas, que depois de lerem Franz Kafka nunca mais são as mesmas.”
Assim escreve Ernesto Sábato, para quem, o principal problema do escritor talvez seja o de evitar a tentação de juntar palavras para fazer uma obra. E citando Claudel: “Não foram as palavras que fizeram a Odisseia, mas o contrário.”
Lima Barreto @famososquepartiram
Nesse tempo eu ia ser doutor, como tantos outros, mas por ingrato infortúnio, a obra de Lima Barreto cortou-me a carreira. Talvez estivesse hoje desfrutando o privilégio da bacharelice, ou das ofertas prodigiosas do mestrado ou do doutorado, mas a obra do escritor produziu-me o primeiro e grande cataclisma, para usar a expressão do próprio Sábato.
Na verdade, ninguém pode passar ileso pela obra de Kafka, como nenhuma donzela do século XVIII pôde sair-se incólume e inviolada da leitura de Voltaire ou febrilmente contagiada pelo drama de Werther. Foram obras que fizeram cabeças, comoveram, sacudiram, deflagraram revoluções e até suicídios.
Examinando bem, talvez fosse Lima Barreto (o menos difundido dos nossos grandes escritores) um dos poucos em condições de produzir no leitor brasileiro da minha juventude, isto é, da década de 1950, esses cataclismas.
Pode-se dizer que todos os grandes escritores brasileiros, antes, durante e depois de Lima Barreto, encarnaram uma realidade, sentiram e sofreram o seu mundo, foram capazes de nos transmitir esse sentimento, mas poucos chegaram a nos transformar tão radicalmente. Eles todos nos dão uma experiência de humanidade, mas Lima Barreto nos faz mais humanos porque mais reais.
@famososquepartiram
A propósito, vale a pena o depoimento de Jackson de Figueiredo: “Lima Barreto é, entre nós, na verdade, o tipo perfeito do analista social. Um analista que combate, que não ficou como Machado de Assis, por exemplo, no círculo de uma timidez intelectual esquiva ao julgamento...não tem as delicadezas, as intenções filosóficas de Machado, veladas pelo sorriso do cético. Antes de tudo é um forte, arremete, chicoteia os vendilhões da dignidade nacional.”