Com os divertimentos públicos do Natal transferidos para a Lagoa e nela ainda mantidos ninguém sabe até quando, lembrei-me, temeroso, ...

Augusto a perigo

estatua busto augusto anjos joao pessoa
Com os divertimentos públicos do Natal transferidos para a Lagoa e nela ainda mantidos ninguém sabe até quando, lembrei-me, temeroso, de Augusto dos Anjos, do seu pequeno busto sob as vênias de um tamarindo para tanto plantado e a mostrar que tamanho não é documento, desde que se deva à arte de um Umberto Cozzo a quem, num ano qualquer da década de 1940, a primorosa escultura fora encomendada.

estatua busto augusto anjos joao pessoa
Busto de Camilo de Holanda (Rua das Trincheiras)
Lembrei-me do busto de Augusto, o paraibano do século XX, eleito pelo mesmo povo que elege prefeitos e governadores, temendo que façam com ele o que fizeram com o busto de Camilo de Holanda, renegado com balaustrada e tudo pelos que o sucedem na cidade que o seu tirocínio e bom gosto prepararam para os postais que mais a recomendam ao lado dos monumentos sacros. Primeiro levaram o pincenê, por gaiatice, sem dúvida. Depois arrancaram o bronze inteiro do pedestal.

Temi, não de agora, mas desde que o espaço consagrado ao poeta fora degradado há anos como alojamento de automóveis. Do bambual até beirar o Manuel Pires ninguém atinava para outra coisa a não ser capota, placa e lixo de carro, baldando o sonho dos que esperavam dali, há setenta e cinco anos, uma consagração do mais belo recanto da cidade ao poeta da nossa glória.

Recorde-se:

“O monumento ao nosso grande vate está sendo erguido no local mais pitoresco da nossa metrópole, o Parque Sólon de Lucena, em recanto previamente discutido e estudado por aquelas agremiações culturais (leia-se Associação de Imprensa e Academia de Letras), que contaram também com o imediato apoio do prefeito Oswaldo Pessoa e diretoria de Obras Públicas do Estado”
estatua busto augusto anjos joao pessoa
Parque Solon de Lucena @joaopessoa.pb.gov.br
É o registro noticioso na Revista 4 da APL, que anuncia os termos das inscrições em duas placas encomendadas a artesãos de Bayeux:

“A Paraíba, a Augusto dos Anjos o seu poeta máximo, homenagem promovida pela Academia Paraibana de Letras e Associação Paraibana de Imprensa”.

A segunda, gravando os dois tercetos de DEBAIXO DO TAMARINDO que terminam pressagiando:

“Voltando à pátria da homogeneidade Abraçado com a própria Eternidade A minha sombra há de ficar aqui!”

Essas duas placas, gravadas na memória do mundo, já foram arrancadas, derretidas. Resta esperar o quê?

Domingo passado acordei mais cedo, antes que a cidade largasse de suas garagens e me deixasse dirigir desde a Epitácio até o prédio de Rui Bezerra, ao lado da Lagoa. Rua limpa, vazia, uma beleza! E, graças aos céus, encontro o poeta intocado em seu pedestal, o rosto perfeito em sua recriação que a luz filtrada da manhã acariciava. Mas sem as vênias do tamarindo, dos passantes, das gentes dos ônibus, o espaço em torno da estátua atravancado pela permanência dos parques de diversões com seus carrosséis, rodas-gigantes, bate-bates, tomando a visão do espaço artístico e histórico.

estatua busto augusto anjos joao pessoa
Placa do Busto de Augusto dos Anjos (Lagoa - J. Pessoa) Ajmcbarreto
Mas isto não é tudo, amanhã a Prefeitura poderá desafogar o belo recanto. Que fazer, este é o problema, para proteger a mais fiel e perfeita escultura dedicada à glória inquestionável da Paraíba? Ao nome mais significativo dos nossos nomes? Que cerco de cuidados teremos de atinar para evitar o que aconteceu com a homenagem da cidade a Camilo? Fica a pergunta.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Anônimo4/2/24 19:15

    A crítica mais consistente a se fazer contra a memória histórica encurralada em peças de bronze esculpidas e destruída por gerações conseguintes não cabe à falta de seguridade protetora por parte de autoridades ou poder público, mas ao completo fracasso da educação popular, que na verdade não se trata de fracasso, mas de sucesso, por se tratar de um empreendimento direcionado pela elite social e política deste país: a completa ignorância popular que agora pretende retirar história e geografia da grade curricular nas escolas públicas e privadas,

    ResponderExcluir

leia também