Assim escreveu Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, em suas célebres memórias póstumas, sobre uma de suas amantes: “Marcela amou-me por quinze meses e onze contos de réis”. Pode haver frase mais atual? E é nessa atualidade que reside o gênio machadiano tornado clássico das letras brasileiras e universais, pois clássico é exatamente o livro que se mantém atual através do tempo. Quinze meses e onze contos de réis. O tempo e o preço de um amor fugaz, desde o início condenado à efemeridade e ao vultoso custo financeiro, como costuma acontecer, desde que o mundo é mundo, com relações desse tipo. Os amantes, no fundo, sabem que será assim, pois não se trata de amor verdadeiro e incondicional, e no entanto a ele se entregam com o ímpeto dos apaixonados e o desespero dos suicidas. Tudo para acabar na quarta-feira, como diz a canção, mas que seja eterno enquanto dure, como diz o poeta. Pois só dessa maneira terá valido cada minuto e cada tostão.
Klara Kulikova
Klara Kulikova
Entretanto, longe de mim qualquer viés moralizador, aviso logo. Pois detesto os moralistas de toda espécie, salvo os filósofos, pois estes, desde os gregos e romanos, não pretendem converter nem dar lições de moral a ninguém. Marco Aurélio, Montaigne e La Rochefoucault, argutos observadores do mundo, entre outros, são apenas bons companheiros de jornada para seus leitores e não gurus de falsas ortodoxias.
Marco Aurélio, Montaigne e La Rochefoucault CC0
Essa tirada de Brás Cubas lembra-me uma parecida de uma velha senhora chamada Dona Finfa que, há muitos anos, ao informar as horas a uma sua devedora, assim se expressou, espertamente: “São oito horas e vinte mil réis”. Será que ela terá lido Machado? É possível. O fato é que repetiu, sabendo ou não, a espirituosidade machadiana. E se ela recebeu seu crédito ou não, são outros quinhentos.
Reflito se essa frase de Brás Cubas não se aplica a boa parte dos relacionamentos amorosos, sejam de que tipo forem. E até a certas amizades que afinal se revelam apenas interesseiras. Diz a voz do povo que “não existe almoço grátis”. E é fato. Por que razão então seria gratuito o amor (e os favores) das Marcelas da vida? A índia nua que recebeu na praia de Porto Seguro os marinheiros ávidos de Cabral só se entregou com gosto mediante o espelhinho e a quinquilharia ofertados pelo conquistador. E não esqueçamos o filósofo Nelson Rodrigues que disse, para escândalo dos hipócritas: “O dinheiro compra até amor verdadeiro”.
Klara Kulikova
Brás Cubas não se iludiu um minuto a respeito de Marcela. Nem Marcela sobre Brás Cubas. Esta é a verdade. Ambos sabiam, desde o início, o que faziam, como faziam e com quem faziam. E assim tem sido – e é - , desde sempre, no mundo do amor, do sexo, dos afetos e das simpatias. Com ressalvas para as exceções que confirmam a regra. O gênio de Machado não descobriu a roda. Apenas (?) soube, com talento, ironia e uma modernidade assombrosa, colocar em palavras “a vida como ela é”, através de seu personagem defunto: “Marcela amou-me por quinze meses e onze contos de réis”.
Danie Franco