Paulo Brasil sentado no degrau do templo dedicado a Nossa Senhora do Montserrat, que muitos confundem com Igreja de São Bento. Colado à h...
Paulo Brasil
O Ano Novo estava para chegar. O rebuliço tomando a casa: a mesa se enfeitando de comidas variadas. Luz faiscando por toda a parte, cumpr...
Parábola do Ano Novo
Tocou o celular. Do outro lado uma vozinha afinada me falou, cortesmente. Uma das insinuações das empresas telefônicas, procurando convenc...
Ligação Tormentosa
Jojoba tinha uma carreta velha. O que lhe encomendassem levar, estava pronto. Nasceu entre o condutor e a conduzido tamanha interação e ami...
Jojoba motorista
A cena já se tornara tão trivial que ninguém a olhava. Nem circunstantes transeuntes rumo à parada de ônibus, nem os diuturnos caminhantes...
Habitante do vazio
Os frutos sedosos vinham carregados na cesta de vime. O portão de nossa casa rangia. Ela vencia cada degrau com sacrifício: os joanetes...
Os abacates de Ernestina
Casada com seu Carlos, trabalhava ela nos “Correios e Telégrafos”, quando estes demoravam instalados no lindo prédio da praça Pedro Américo.
Mas, voltemos aos abacates: amassados e peneirados eram a delícia do pós-almoço. As crianças apostávamos: aquele que terminasse de consumir por último a pasta verde depositada num prato de ágata seria o vencedor. Cada qual que se contivesse, porque o paladar exigia fortemente. Era um divertimento. As tias reclamavam de nossas brincadeiras ingênuas. E nós medindo cada colherada. Muitas vezes, eu não tinha paciência e raspava o prato, mesmo que fosse alvo de chacota.
D. Ernestina simbolizava a amiga sem subterfúgios, sincera, pronta e solidária. Foi madrinha de crisma de uma prima minha, Vitória, já falecida, o que confirmou o entrelaçamento afetivo entre nós. Contava histórias interessantes, abria sua vida privada, em desabafos de confiança. Nem uma rusga, nem um sinal de desavença houve entre nós. No dia em que anunciou sua saída da rua, por motivos particulares, ficamos transtornados, querendo retê-la e quase sem acreditarmos.
Lamentei a mudança de d. Ernestina. Pensei nos abacates sedosos que ela nos trazia com tanta satisfação.
Não mais vi o vendedor de castanhas. Ele pontificava na calçada de um banco do centro, ao sol, muitas vezes, ou amparado numa generosa som...
Vendedor de castanhas
Pousada no píncaro da torre da Igreja do Carmo uma pombinha mesclada em branco e cinza. Animada em saracotear as penas, beliscando-s...
Meiga ameaça
Antigamente, eu criança, papai me levava para correr nas alamedas da Praça Venâncio Neiva (primeiro presidente republicano da Paraíba)....
Pavilhão do Chá
Certo jornalista de bom papo e excelente profissional (saudosa memória) me narrou o que passo a vocês agora. Bem conceituado como profissi...
O jornalista e a santa
Interessante como pegava seu lápis para colorir o caderno de desenho. Escolhia as cores mais alvoroçadas para pintar, por exempl...
Pintura de aluno
A Segunda Guerra Mundial trouxera muito desequilíbrio. Um alvoroço provocado pelos abalos das duas bombas atômicas que estraçalharam inoce...
Transmutação
A Segunda Guerra Mundial trouxera muito desequilíbrio. Um alvoroço provocado pelos abalos das duas bombas atômicas que estraçalharam inocentes japoneses naquela sanha, naquele ódio que as guerras se incumbem de dilatar. Houve, é inegável, um reflexo no comportamento de uma geração emergente, na criançada nascida ao pavor de noticiários horrendos. A ceia que acabara de ser realizada na suntuosidade dos que comemoravam o final da hecatombe restou numa efusão de alegres embriagados. Ninguém se lembrava das vítimas de Hiroshima e Nagasaki.
Meia dúzia de pequeninas xícaras. De café, de chá. Ornadas de florezinhas comuns vermelhas e um risco dourado nas bordas. Permanecem ali, ...
Xícaras, um motivo
Meia dúzia de pequeninas xícaras. De café, de chá. Ornadas de florezinhas comuns vermelhas e um risco dourado nas bordas. Permanecem ali, num dos armários da cozinha, e que eu me lembre, nunca foram usadas. Emborcadas e esquecidas, seriam de utilidade se, por um feliz e raro acaso, a família se dispusesse a ressuscitar o costume de oferecer um cafezinho aos visitantes.
Primeiro foi uma sombrinha amarela largada ao chão. Deitada ali, sob árvores de um bosque, desprezada ou, quem sabe, a dona clicando um fla...
Três sombrinhas
Primeiro foi uma sombrinha amarela largada ao chão. Deitada ali, sob árvores de um bosque, desprezada ou, quem sabe, a dona clicando um flash artístico para expor. Certamente, uma fotógrafa de alta sensibilidade.
Semana passada, a mesma sombrinha emergiu; sobressaída de uma multidão de guarda-chuvas abertos. Não chovia. Pensei: eis onde foi parar o motivo da foto! E, creiam, recentemente, uma vermelha conduzida por alguém, tempo frio, invernoso; a ou o condutor enfrentava a temperatura enfiado num cachecol e roupas de enganar frio.
Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgi...
Tudo imaginação
Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgio dos que lá se exilavam, fora uma pensão, digamos classe “A”, onde se hospedava a nata pura da sociedade da época.
Nunca mais os pirilampos ou vagalumes infestaram de meigas luzes, pisca-piscas naturais, as nossas noites. Falta a muitos o interesse por e...
Vagalumes, luas, flores...
Nunca mais os pirilampos ou vagalumes infestaram de meigas luzes, pisca-piscas naturais, as nossas noites. Falta a muitos o interesse por eles que ainda faíscam em lugares ermos, salpicando suas pobres emanações de humildes claridades.
Nunca mais foram vistos os meninos com os carrinhos de rolimã. Subiam a ladeira da Borborema, aos risos, carregando os artefatos sob os bra...
Rolimãs na ladeira
Nunca mais foram vistos os meninos com os carrinhos de rolimã. Subiam a ladeira da Borborema, aos risos, carregando os artefatos sob os braços. As geringonças primitivas: um lastro para sentar, dois eixos para sustentar as rodinhas.
Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão...
Susto matinal
Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão no comércio ainda raso da Rua Beaurepaire Rohan e adjacências se punham em traje formal. Era costume adotado. Demorava-se no quarto, engalanava-se para a freguesia razoável. Os shoppings não existiam e o passeio pela área comercial era preferido por muitos que iam gastar a tarde naquelas ruas pacatas, sem riscos maiores de assaltos, mesmo os de pequena monta.
Simplesmente um passarinho. Um passarinho sobrevivente e cantante entre muitos companheiros, neste mundo urbano crudelíssimo. Superlativo v...
Um passarinho
Simplesmente um passarinho. Um passarinho sobrevivente e cantante entre muitos companheiros, neste mundo urbano crudelíssimo. Superlativo vazado da irritação e inquietude que nos traz a falta de um gorjeio. Somente buzinas, alto-falantes cruzando vozes que propagam liquidação de lojas. Ou ritmos pretensamente musicais de mau gosto, barulhentos arreganhados em alto volume em praias ou não, tirando o sossego a ouvidos e sonos. E os pobres passarinhos não mais cantam como antes. Tiram-lhes os espaços e lhes torcem as melodias que não cansam e combatem o estresse.
Queria comprar a calça que vira na vitrine. Era cara, a mesmíssima usada pela atriz da novela na televisão. Tudo atrasado: água, luz, merce...
Tudo pela calça
Queria comprar a calça que vira na vitrine. Era cara, a mesmíssima usada pela atriz da novela na televisão. Tudo atrasado: água, luz, mercearia. Sequer possuíam cartão de crédito, uma raridade não tê-lo, numa época consagrada ao fetiche de plástico.