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Mosaicos, de Marcelo Mourão

O primeiro mérito a registrar em “Mosaicos”, livro de ensaios de Marcelo Mourão, é a faculdade que possui o autor de abordar temas algumas vezes complexos, intrincados, através de uma linguagem simples sem ser simplória, plenamente palatável, inclusive, para os que se iniciam nas lides literárias. Ou seja, Marcelo Mourão não é daqueles que turvam as águas para parecer profundo, procedimento mais ou menos usual, comum, entre os que escrevem dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Resumindo, Marcelo Mourão escreve didaticamente, mas sem pretensões professorais.

Outro mérito a registrar: “Mosaicos” não é um livro de segunda mão, tautológico, repetitivo, pelo simples fato de Marcelo Mourão não se submeter passivamente à extensa bibliografia da qual se utilizou para escrevê-lo.
Ou seja, juntamente com os conceitos extraídos dos autores de suas “afinidades eletivas”, convive o sinete de sua individualidade criadora, inventiva, decorrente do poeta-crítico que ele o é.

Mais um registro: Mourão transita, com desenvoltura, do livro para a rua, da rua para o livro, acrescentando ao saber proporcionado pelo acúmulo de leituras, o sabor da pesquisa a céu aberto, como o fez para escrever o ensaio “Feira da poesia e Passe na praça: a poesia flâneur do Rio de Janeiro de 1980”, quando entrevistou os principais artífices e mentores desses movimentos.

Outro mérito: o de consorciar a teoria à prática da literatura, quando, didaticamente, após discorrer sobre a mímesis, exemplifica-a com uma lúcida análise do poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa ele-mesmo, ortônimo. Com efeito – e Marcelo Mourão bem o sabe –, cumpre ao crítico, ao ensaísta, a tarefa de demonstrar, através de argumentações consistentes, que a teoria e a prática da literatura não ocupam compartimentos distintos, do contrário submeter-se-ia o texto objeto de análise às camisas de força de preceitos teóricos apriorísticos e aleatórios.

Faz algum tempo que conheço e admiro o poeta de “Máquina Mundi” e o ensaísta de “Rotas e rostos”. Deste último, o mérito de reavaliar movimentos poéticos até certo ponto subestimados pela mídia, a exemplo de “Feira de poesia independente” e “Passe na praça”, dando-lhes a sua verdadeira dimensão e significado no contexto poético-social da época.

Em “Mosaicos”, Marcelo Mourão novamente transita do centro para a margem, pois assim como estuda obras de autores canônicos, também se debruça sobre os movimentos de poetas marginais cujos poemas eram verbalizados pelos quatro cantos do Rio de Janeiro. Movimentos que grassavam na época, sobretudo em São Paulo, onde o lema ou o leme de um deles, o da “Catequese poética”, já explicitava uma atitude de franca e aberta oposição à ditadura militar: “O lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares”. De um modo geral, como diria Adolfo Casais Monteiro, os poetas de então, principalmente os marginais, pareciam partir do princípio de que a poesia não ensina a governar e muito menos a ser governado, pois, acima de tudo, se propõe a indisciplinar os espíritos.

Não me considero um crítico literário. Quando muito, um ensaísta. Melhor: um leitor que escreve e distingue, em Marcelo Mourão, o poeta, o crítico literário e o ensaísta que, sem riscos de abalroamentos, movem – cada qual com suas especificidades e ferramentas próprias – um verdadeiro cerco aos autores e obras estudados neste livro. Enfim, Mourão tem o que dizer e o diz magnificamente, sem berloques, miçangas ou balangandãs, meros e vãos penduricalhos dos que priorizam o acessório em detrimento do principal.
*Prefácio do livro “Mosaicos”, ainda no prelo, de Marcelo Mourão.

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  1. Isso que v.diz me lembra, Sérgio, a maneira como Bertrand Russell contou a História da Filosofia Ocidental, Galbraith falou de economia em A Era dos Extremos, Sheldon Cheney fez a sua História da Arte, Sagan falou de ciência em Cosmos.

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