Súbito me vejo à porta do sapateiro ou mais precisamente à banca de bicho ali atravessada, eu de pé a ver de cima a bela cabeça de mulhe...

Do milhar ao Mercado

Súbito me vejo à porta do sapateiro ou mais precisamente à banca de bicho ali atravessada, eu de pé a ver de cima a bela cabeça de mulher de cabelos anelados em sua ocupação diária de passar bicho. Não estava em meus cálculos parar ali, repetir o milhar sustentado desde o ano de 1949, quando fui levar um documento à casa do doutor Otávio Amorim, na Floriano Peixoto de Campina Grande, e senti na placa do seu carro, 1382, um forte palpite.

Estou na Pedro I, avistando o Palácio do presidente João Pessoa, pináculo de tantas carreiras gloriosas, hoje convertido em museu.

@cassino.org
É possível que, desse modo, a vida social tente, exatamente, parecer mais real e verdadeira. Que sejam excelsas, nos limites do espírito e da fé, as torres da religião. Estas alcançam os anseios mais altos ou os mais desesperados. Mas as do poder político, mesmo universalizado pelo voto, continuam fora das vistas e da estética do grande contingente humano. Por mais que os governos tentem chegar lá, de regime a regime.

Deixo a banca de bicho, entro no carro e fixo o olhar já conformado com a seca, o semiárido que castiga os canteiros em torno do monumental conjunto de estátuas a João Pessoa. Não consigo desligar-me e, minutos depois, em vez de contornar a Lagoa e seguir direto pela avenida José Américo, me vejo no Mercado Central que, por mais que o subestimem, continua o maior dos mercados públicos construído para uma cidade de 30 mil habitantes e resistindo aberto, ativo e capacitado na cidade à beira do milhão de pessoas.

Ainda hoje não sei quem o construiu. Na mais nova reforma, com Ricardo Coutinho, foi revitalizado em vários pavilhões, restando o ângulo que
@PMJP
se fecha entre a Almeida Barreto e a Princesa Isabel, totalmente desvinculado dos cuidados que mereceram as outras áreas.

Foi construído para a elite dos anos 1940 e 50, tendo como concorrentes as mercearias e bodegas centrais e dos bairros, que se mantinham mais pelo fiado. Eu mesmo comprava fiado na mercearia de seu Lucena, avô da herdeira e chef do restaurante do Cassino da Lagoa.

Certamente eu não estava incluído na categoria dos fregueses pontuais. Um dia seu Lucena me viu passar todo ancho com um balaieiro atrás, conduzindo minha feira, comprada em um concorrente. Deixou o balcão, botou os óculos e gritou da porta: “Amigo, eu também vendo a dinheiro!”

Pouco entendo de política urbana, mas pelo assédio de gente, de carros ou pela teimosia como os moradores do centro histórico e do bairros próximos se mantêm fieis ao Mercado Central, já que poucos sabem quem o construiu, que se saiba quem o mantenha renovado e ativo.

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  1. Na maioria das cidades bem cuidadas, aqui ou no exterior, os mercados são ponto de atração turística por deles emanarem os odores, cores e moradores que os frequentam mostrando as entranhas de sua cultura, de sua gente. Infelizmente aqui em nossa cidade nada disso acontece. Até o mercado do peixe de Tambaú, obra arquitetonicamente deslocada, é rica em mau atendimento e maus odores afastando a mim e aos turistas. Uma pena.

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