Antigamente tinha uma expressão, “ficar para titia”, termo pejorativo para designar mulheres que não se casavam e/ou não eram escolhidas por um homem para ser seu par. Uma vez não escolhidas para o casamento, ferradas a sangue e ferro para o resto da vida. Rejeitada. Solteirona. E à margem da sociedade, do mundo e da vida. Por isso que, muitas mulheres preferiam o sacerdócio – freira, ou virar prostituta, para não ficar nesse lugar de solidão e cancelamento.
Ela teve algumas tias solteironas que conheceu. Até conviveu com algumas. Com umas teve sentimentos de empatia, com outras mais irritação, era muito jovem, imatura e arrogante, como são os jovens, e ainda não tinha o alcance para ter recalques, tristezas, sofrimentos e impotências. Ao longo da vida foi se afeiçoando e vivenciando uma sororidade ainda latente e tardia, nos seus idos anos de juventude.
Evard Munch
A segunda se apaixonou quando jovem, por um “homem de cor”. Imperdoável. Reprimida e reprovada, não quis saber mais desse negócio de paixão. Uma mulher bonita que se tornou professora. Mas a amargura lhe tomou as carnes e teve artrite. O seu corpo chorava de dor e as articulações teimavam em encolher. Sozinha e com o olhar perdido, virou uma estrela. Nem sei se cadente. Uma ingênua Eugênia? Não tanto.
Evard Munch
A única que se casou, melhor teria feito se tivesse, sim, ficado no caritó. Qualquer traste era um passaporte de entrada ao paraíso. Ou ao inferno. Tinha um nome tão doce. De caravela. Costurava para fora, como se dizia, mas os trocados do seu suor? Jamais vira. O seu algoz abocanhava tudo. E trancava a dispensa para que não comesse fora de hora nem além da conta. Magrinha, trabalhava feito formiga, curvada numa máquina, enquanto o marido passava o dia na janela, vendo as pessoas passarem na calçada a caminho da missa. O oitão da catedral era o seu cativeiro. Anos depois soube que nunca fez sexo e que esse marido que usava um chapéu, era impotente. Histórias do beco das ruas. Se falava. Também se despediu da vida se ninando.
Evard Munch
E last but not least, tinha ainda aquela tia que vestia azul. Rosto moreno, magra, feições dos povos originários e usava uma trança fina. Sozinha no mundo, morava na casa dos parentes. Andava a cidade toda a pé. Sem muita conversa. E gostava de suco de maracujá, quando sob um sol escaldante, fazia alguma visita repentina, e se refestelava do cansaço e suor na testa. Quantas vezes lhe levou em casa. A única carona que aceitava. Era arisca e respondona. E doce também. A sobrinha sentia orgulho de atestarem a parecença.
Helene Funke
E como essas tias, muitas mulheres tiveram o seu destino traçado. Destino esse que de nada é biológico, mas um destino criado e determinado pela cultura. A cultura dos homens.
A violência contra a mulher continua de forma avassaladora. O feminicídio desenfreado. Mas as conquistas das mulheres, principalmente no que diz respeito ao seu desejo, inclusive e principalmente o sexual, essas são irreversíveis.
Viva as Mulheres!