Quando o assunto é a cidade, o bairro ou o rio Jaguaribe da sua infância, a testa se crispa e os olhos brilham como outrora. Hoje, ...

Um mais que Feliz Aniversário, Doutor Genival!

Quando o assunto é a cidade, o bairro ou o rio Jaguaribe da sua infância, a testa se crispa e os olhos brilham como outrora. Hoje, aos 90 anos, bem vividos e recém-completados, motivo pelo qual o estamos homenageando, a memória que guarda da história e da vida no bairro é rica e fascina a quem o ouve falar sobre estes temas. Nos anos de 1940-50, por razões várias, a praia era coisa distante e aonde a meninada mais simples somente ia, vez ou outra, e sob as asas dos pais. O lazer era ali mesmo e o que o Jaguaribe oferecia.

Com a migração originária de diferentes recantos do estado, a formação do bairro se dá em verdadeiro caldo de hábitos e costumes que vão mutuamente se absorvendo até construir uma identidade que se tornou singular do bairro.

Bairro de Jaguaribe antigo / Praia de Tambaú (abaixo) @petronio.souto
Traços da cultura interiorana, de ricos e pobres que ali se estabeleceram, aos poucos vão se mesclando à cultura urbana local. O bairro logo se singulariza por abrigar parte da elite rural na pomposa Trincheiras, de hábitos e estilos marcados pelo fulgor das moradias e pelo poder econômico, e por acolher a maioria dos indivíduos de classes B, C e D, de menor poder econômico e de moradia e hábitos modestos, em zonas mais interiorizadas do bairro e mais próximas do rio e da Mata do Buraquinho.

Escolas, cinemas, campinhos de futebol, missas e festas religiosas, fogueiras de São João e São Pedro, pavilhões, malhação do Judas e outros folguedos juninos, comércio básico e feira livre, serviços de bonde e ônibus, banhos, pescarias e peraltices no rio, compunham uma base formada por meios que supriam as necessidades imediatas do bairro, conferindo-lhe uma identidade e certa autonomia econômica que reduzia a dependência do centro ou de bairros próximos.

Igrega do Rosário (Jaguaribe) @PB Fatos e Fotos
Com artesãos, costureiras, carpinteiros, mercearias, padarias, o bairro era sinônimo de alguma autossuficiência e vida alegre para meninos e meninas que ali moravam, entre eles, o nosso muito querido nonagenário.

Genival Veloso nasceu e cresceu no bairro do Jaguaribe e é com euforia que descreve como era esse cantinho e como o rio, à época, ainda não poluído, fazia a alegria da meninada das proximidades.

Do ponto de vista cultural, observadas as devidas proporções, o Jaguaribe era o nosso San Telmo platino e detinha certa autonomia laboral e econômica, baseada na produção artesanal e pequenos serviços.

Balaustrada da Rua das Trincheiras MDias
Os tempos correram, a cidade se expandiu, o rio está açoitado e agora quem ali volta é o cidadão, hoje médico, pensador, pesquisador e humanista Genival Veloso de França para observar, mostrar e declarar que é doloroso ver o rio, de tantas histórias e de tantos usos no passado, agonizante e com morte decretada.

Com a expansão urbana, a pressão sobre rio se instala: invasões de áreas ribeirinhas, desvio do leito, supressão de vegetação, poluição, cheias, assoreamentos, transbordamentos e outros, levando à completa degradação do leito a diferentes pontos do seu percurso.

Depois de ziguezaguear pelo bairro do Jaguaribe, o rio enfia-se na Mata do Buraquinho, alimentando-a e se realimentando, e só após percurso de 21 km, das nascentes no Jardim Planalto-Outizeiro (Três Lagoas), à foz na Mata da AMEM, maltratado aqui e acolá, deságua livre e com razoável caudal, no rio Paraíba, em frente à Ilha da Restinga, sob o nome Jaguaribe-Mandacaru.

Três Lagoas (J. Pessoa) PMJP
Com a perícia forense como profissão e campo de estudos e pesquisas, o médico e advogado Genival Veloso tem corrido mundos diversos. Como profundo estudioso, por décadas, vem fazendo avançar a fronteira do conhecimento científico e técnico essenciais à formação de nacionais e estrangeiros de Faculdades Médicas e de instituições legistas que consomem suas referenciadas obras com avidez.

Mas, em outro polo, se a pauta for questão urbana e seus problemas (Manuel Castells, Milton Santos, Raquel Solnick ou outros), ou conflito local cidade-águas (Marília Dieb e Paula Dieb ou outros), o renomado médico mergulha nos temas presentes, volta ao seu bairro, e com visão ecológica discute com entusiasmo os jaguaribes que alegraram e enriqueceram a sua infância e a de outros garotos de sua geração.

Adverte o Mestre que se os hábitos da população não mudarem, se as intervenções, a manutenção e alguma regulação oficial não forem convertidas em ações de educação ambiental, proteção, preservação permanente e fiscalização, o fenômeno da completa deterioração do rio poderá acontecer mais cedo do que se imagina. O que o poder público tem feito ou faz ainda é pouco para a dimensão dos problemas que estão se acumulando.

Trecho do Rio Jaguaribe PMJP
No sinuoso percurso que faz pela cidade, emoldurado pelos ditames do relevo e se debatendo com as agressões ambientais, seu curso, das nascentes à embocadura, torna-se ainda mais vulnerável por atravessar mais de 10 bairros populosos que nem sempre o tratam de forma adequada.

Indistintamente, desvios, submoradias, construções vultosas o estão estrangulando, aqui e acolá. Suas margens exibem extraordinário potencial paisagístico que pouco tem sido valorizado na urbanização da cidade e na proteção ambiental. Em geral, alegam-se, prioridades e carência de recursos.

A meu ver, de forma errônea, tem sido permitido que trechos importantes do rio sejam convertidos em simples canal a céu aberto, quando do ponto de vista ecológico e do paisagismo, o adequado seria a retomada dos espaços invadidos e a devolução das condições para que fauna, flora e micro-organismos refaçam seu habitat e voltem a povoar as margens, transformando-as em proteção natural a restituir possibilidades de recomposição da biodiversidade. Salvo uma ou outra intervenção, é notório que estamos perdendo essa batalha.

Por ser eminentemente urbano, o Jaguaribe é um rio ameaçado ao longo de todo seu percurso. E já não se considera mais rio, o antigo leito que se estende do Retão de Manaíra ao Jardim América-Intermares, hoje transformado em canal que, ora recoberto, ora a céu aberto, vai desaguar em pequena lagoa a metros do contato com o mar, formada pelo barramento da embocadura, em razão da ação das marés e dos ventos que aí comandam, temporária ou permanentemente, a acumulação e elevação de depósitos de areia, formando amplo maceió.

Nas últimas visitas que empreendeu a locais maltratados do rio, imagens de câmeras atentas colheram cenas marcantes. Nestas, a voz embargada do Doutor Genival dizia mais do que as palavras com as quais descreveu a luta que o ribeirão vem enfrentando, em infindo embate contra a agressão ambiental e a deterioração, ao percorrer os chãos disputados desta aglomeração urbana em acelerado adensamento ao norte de João Pessoa.

Trecho do Rio Jaguaribe PMJP
As ocupações cingem o rio em ambas as margens. Em diversos trechos, já sem matas ciliares a protegê-lo, o rio parece entregar-se, sem reação, à erosão e ao acúmulo de sedimentos e resíduos que a população impiedosamente remete ao seu leito, e o poder local pouco parece se incomodar. Constata-se também que em muitos locais, sem qualquer planificação ou medidas restritivas, as margens vêm sendo utilizadas para a agricultura, piscicultura, agropecuária e para o lazer das comunidades ribeirinhas.

As intervenções públicas não têm sido satisfatórias e as da iniciativa privada sequer existem. Tomado por espécies vegetais invasoras, lamacento e assoreado em diversos pontos, eis o rio morrendo e resistindo, violado, em leito sem correnteza. Em diferentes trechos, em períodos não chuvosos, a intermitência já se manifesta intensa, observa Genival Veloso. Até receber água encanada, a partir de 1912, a zona da cidade mais próxima do centro histórico, por bastante tempo, se serviu das águas das fontes do Tambiá, Gravatá, dos Milagres, Mata do Buraquinho e outras, e de cacimbas situadas nas proximidades do Varadouro. A parte da cidade que se expandia para o sul, indo até o rio Jaguaribe, se servia de suas águas ainda potáveis.

Rio Jaguaribe na Mata do Buraquinho Lucas A
Com certa amargura, referindo-se ao rio Jaguaribe, Genival Veloso ressalta que “por muitos anos o rio deu vida àqueles espaços urbanos, hoje a cidade o paga com uma morte anunciada”, se projetos integrados transformadores não forem adotados.

Há não muito tempo, como observador, o cientista visitou pontos maltratados do rio. Em alguns destes, com o olhar fixo em seu leito obstruído, cabisbaixo e pensativo, fez advertências: - “Ainda é tempo! Podemos salvar o rio”, notadamente, no longo trecho compreendido entre a nascente e o desvio para o riacho Mandacaru.

Genival Veloso MDias
Com tristeza também, vemos que está indo embora mais um rio da cidade, o rio do cientista Genival Veloso que, junto a outros meninos do bairro, ali se divertiu, se banhou, fez piruetas, disputou canga pés e com eles foi “menino do rio”.

Poucos sabem, mas por volta de 1940, o rio Jaguaribe foi submetido a uma intervenção de impacto. Obras de drenagem o seccionaram nas imediações do hoje Viaduto do Retão de Manaíra (BR 230 / Avenida Tancredo Neves). Suas águas foram desviadas para o rio riacho Mandacaru, levadas a desaguar sob a denominação Jaguaribe-Mandacaru, no estuário do Paraíba, em frente à Ilha da Restinga, como bem mostram imagens de satélite no Google Google Earth.

Trecho do Rio Jaguaraibe entre J. Pessoa e Cabedelo G. Earth
Esta intervenção, se por um lado, drenou áreas pantanosas dessa zona urbana, pondo espaços que se estendem da BR 230 à beira-mar, e do Retão a Intermares, na perspectiva da expansão urbana, por outro, abriu caminho para invasões populares descontroladas e para a grande especulação imobiliária. O rio restou em curso semimorto das imediações do Retão de Manaíra ao Jardim América / Intermares. A fraca correnteza reduziu as águas correntes e pelo jogo de forças das marés e dos ventos, sua foz foi interrompida, formando-se a pequena lagoa litorânea que lá está.

Rio Jaguaribe PMJP
Sugerimos a quem quiser conhecer mais amplamente o rio, entre os muitos trabalhos localizados, a leitura da dissertação de mestrado de Degner Rodrigues de Almeida Queiroz, Problemas Ambientais da Ocupação Subnormal na Bacia do Jaguaribe, João Pessoa, 2009, 200 p. defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana e Ambiental-CT-UFPB.

Por fim, o Grupo Mirabeau Dias de Estudos e Debates, composto atualmente por Genival Veloso, Francisco Gil Messias, Wilson Marinho, Humberto Fonseca, Martinho Campos, Modesto Siebra, Luiz Augusto Paiva, Mirabeau Dias e Natanael Rohr (In Memoriam), abraça-se para celebrar o aniversário de 90 anos do seu decano, exaltando a enriquecedora satisfação que é a convivência do Grupo com este Mestre, traduzida em aprendizagem, admiração e apreço. Parabéns, caríssimo Professor Genival.

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  1. Justa homenagem ao grande mestre e doutor Genival. Parabéns pelo teto

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  2. parabéns ao dr Genival e aos eu seu texto Modesto. Muito triste ver o que as cidades fazem com seus rios. De promessa em promessa ele está sucumbindo...

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