Vez por outra dou meus passeios na orla do Cabo Branco, pela manhã, e nessas ocasiões revejo amigos e conhecidos. Um deles – mais conhecido do que amigo – foi meu colega no Liceu Paraibano e tem uma curiosa particularidade: às vezes me cumprimenta, às vezes não.
Isso me deixa mais intrigado do que constrangido, mesmo porque não interpreto sua eventual indiferença como algo dirigido a mim. Deve ser um traço lá dele, que certamente se comporta de igual maneira com outras pessoas.
Mas o riso hoje, e a indiferença amanhã, convenhamos que isso desconcerta. Sempre que o vejo apontar a alguns metros, penso comigo: “E hoje? Ele vai falar ou não?”. À medida que nos aproximamos, cresce a expectativa. Olho para o chão, para o mar, fito o longínquo farol espreitando com o canto dos olhos como está a cara dele. O pior é que a cara não diz muita coisa; a expressão neutra, marmórea, pode subitamente se abrir num sorriso ou permanecer como está. Sinto um alívio quando passamos um pelo outro.
A psicologia deve ter um nome para designar pessoas assim. É gente que sofre de uma espécie de ciclotimia social. Falta-lhes constância no trato. O modo de se relacionarem com os outros é determinado pelo bom (ou mau) humor com que se acordam. “Hoje não estou para ninguém” – e se encaramujam,
Nathan Cowley
Acredito que essas pessoas sofrem com mais rigor a verdade expressa na conhecida frase de Sartre. Para elas, os outros devem ser mesmo o inferno; e ter de cumprimentar alguém logo de manhã é a primeira labareda de um círculo (os “círculos infernais” de Dante!) que se alargará ao longo do dia. Daí o mutismo, daí a seriedade, daí a indiferença, que não vem livre de remorso. Do contrário não se explicaria o comportamento oposto, em que o riso desponta como um pedido de desculpas.
Enfim, são os abismos da alma humana. Por mais que tentemos ser compreensivos com gente desse tipo, difícil é não se irritar com o purgatório em que nos precipita a sua inconstância. Nunca sabemos como estão. Nunca sabemos o que verdadeiramente sentem por nós.