Algumas pessoas têm a notável habilidade de se doar. Sentem, em sua condição profundamente humana, que há mais espaço para acolher o...

Febre de sentir

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Algumas pessoas têm a notável habilidade de se doar. Sentem, em sua condição profundamente humana, que há mais espaço para acolher os interesses do outro do que para cultivar suas próprias dores cotidianas. São indivíduos que comovem pela generosidade com que estabelecem vínculos, oferecendo presença, escuta e palavras — sem carregar pedras nos bolsos. Essa leveza no convívio, rara e preciosa, torna-os verdadeiros bálsamos num mundo cada vez mais árido de afeto.

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A. Piacquadio
Já as pessoas pesadas, pessimistas e invejosas tornam as relações diárias indigestas — um prato amargo, temperado por sintomas doentios. Nessas interações, faltam regras saudáveis e sobra desgaste. Cada encontro transforma-se em um embate velado, competitivo, que deixa um rastro de cansaço e desconforto, como se a convivência fosse uma disputa e não uma troca.

Os invejosos — aqueles que encontram satisfação no fracasso alheio — carregam dentro de si um prazer silencioso: o alívio de não precisarem confrontar a própria responsabilidade de buscar o melhor de si. No fundo, porém, são os medos que os aprisionam, mantendo-os afastados de qualquer possibilidade real de crescimento. O sucesso do outro, que tanto os incomoda, apenas reflete o que não têm coragem de enfrentar em si mesmos.

Para quem sofre esse tipo de ataque emocional, muitas vezes falta espaço — ou permissão interna — para expressar o que dói. O impulso de transformar experiências difíceis, sejam físicas, mentais ou emocionais,
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M. Nilov
em palavras ou escrita, é sufocado por receios, filtros ou julgamentos. No entanto, esse gesto de exteriorização poderia ser justamente o caminho para o alívio, a clareza e uma serenidade tão necessária. Falar — ou escrever — é, em muitos casos, o primeiro passo para se reencontrar.

Transformar experiências em palavras escritas é uma oportunidade singular de colocar pensamentos, medos, angústias e anseios em perspectiva. Ao nomear o que se sente, dá-se um passo essencial no reconhecimento dos próprios dilemas e na construção de caminhos mais lúcidos para enfrentá-los. Escrever, nesse sentido, torna-se não apenas um ato de expressão, mas um gesto de cuidado e compreensão consigo mesmo.

Segundo a psicanalista Daisy Dalmáz, a escrita é um sinal de evolução. “Sabemos que o mundo das ideias pode tudo, mas quando colocamos todo nesse universo interno na escrita, ocorre um salto de qualidade, pois, ele precisa ser organizado, precisa adquirir sentido, expressando um encadeamento de ideias e sentimentos".

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Boom
Com o tempo, quem persiste na prática da escrita vai se familiarizando com a construção dos textos, ao mesmo tempo em que aguça a criatividade e refina a percepção das próprias emoções. Trata-se de um processo delicado e poderoso de autoconhecimento e fortalecimento interior.

Ao transpor o pensamento para o papel, não apenas estruturamos o caos interno, mas também nos aproximamos de uma compreensão mais profunda de nós mesmos. Nesse gesto de escrever, o sentir se ordena, se alivia — e se transforma.

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