Eurídice, presente neste texto, não é a decantada ninfa, esposa de Orfeu. Ainda bem, porque essa condição a livra de ser, como a outra Eurídice, perseguida pelo famigerado Aristeu. Segundo a lenda, esse pastor de ovelhas mal intencionado (falamos de Aristeu) que, não levando a cabo suas nefastas intenções, fez a mulher de Orfeu ser mordida por uma serpente, indo esta (a esposa e não a cobra) parar no mundo dos mortos, o reino de Hades e Perséfone. Isso é um pedaço da história que só contei para dissipar dúvidas
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porque vou gastar as linhas seguintes contando um episódio ocorrido comigo e outra Eurídice, escrevinhadora da melhor cepa, e de um gato muito invocado do qual essa amiga seria tutora. É assim que dizem hoje: tutora, e não dona.
Então, aos fatos. Meses atrás, eu e minha estimada confreira Neide Medeiros, fomos agraciados com uma premiação oferecida pela União Brasileira de Escritores, seccional do Rio de Janeiro, à época presidida pela escritora Eurídice Hespanhol. Neide, celebrada pelo livro infanto-juvenil, “Era uma vez um menino chamado Augusto” e eu por uma novela, não recomendada para menores de idade, “Memórias Indecentes”.
Impossibilitada de viajar, a professora Neide incumbiu-me de representá-la no evento. Recebi minha premiação, a de Neide, agradeci pelas duas, mais pela biografia de Augusto do que por aquelas indecências que escrevi.
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Mas se faz necessário retroceder um pouquinho no tempo. Já conhecia Eurídice de outros carnavais; digo, de outros eventos literários Cito um ocorrido aqui aqui em João Pessoa, onde ela participou como dirigente de entidade literária e como coautora de uma antologia que estava sendo publicada. Daí a aproximação com essa ilustre senhora.
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Antes viajar ao Rio, consultei minha amiga, para que ela me indicasse algum hotel próximo de onde ocorreria o evento. Nada disso, ela intimou-me (intimar é mais persuasivo do que convidar).a ficar hospedado em sua residência. Nem preciso dizer que aceitei. Um detalhe: Eurídice mora para lá do Recreio dos Bandeirantes, bem para lá.
Do aeroporto de UBER à casa dela. Mais de uma hora com um chofer emburrado que não gostava de conversa, coisa rara em um carioca. Ao fim do trajeto. que agradável supresa. Recebido como um lorde naquele lugar longe do burburinho, uma serra ao lado, um cantinho com jeito de interior. Jardim, plantas, livros, e até uma piscina que não deu tempo de usar. Ela e a irmã mais o anfitrião, um gato cheio das bossas, fizeram-me sentir um paxá.
Em casa, a mesa lauta, capaz de jogar por terra qualquer dieta alimentar Mas chamou-me mesmo atenção foi o gato de Eurídice, um bichano que onde eu ia ele ia. Não me largava. De cara viramos parças. Acordei com ele em minha cama. Sou um sujeito que gosta de bicho e presumo alguma reciprocidade por parte da bicharada.
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⏤ Ele gostou de você, Augusto ⏤ observou Eurídice que sempre me chama de Augusto.
Fiquei sabendo que o gato era do filho de Eurídice que deixara aquele exemplar de felino aos cuidados dela e ainda teria exigido:
⏤ Comida pra ele, só ração! Nada de dar outras coisas. NADA! ⏤ fora a enfática recomendação desse exigente rebento de minha anfitriã.
Minha amiga contou-me dessa recomendação quando eu já fazia as malas para pegar o beco de volta. O que acatei prontamente e me despedi desse meu parceirinho de quatro patas.
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Vi que o bichinho ficou triste com minha partida.
E de onde teria vindo essa empatia entre nós, no caso entre mim e o gato? Simples, meus caros e caras. Vou confessar. Sempre que me via sozinho com o bichano ele me olhava com aquele olhar “pidão” que me comovia. Então, às escondidas, eu o abasteci com nacos de bolo (dois sabores), pedaços de salsicha, de linguiça, queijo, pedaços de pão com manteiga, pão com requeijão e até de pão com pão.
Minha amiga. Pense em São Francisco de Assis e em nome do padroeiro da bicharada perdoe este seu amigo. Não resisti. Nunca me imaginei comendo só ração. Todos os dias a mesma coisa... Daí meu impulso, esse meu ato que brotou do resta ainda de menino nesta alma velha e cansada. Foi isso, Eurídice.