Lima Barreto escreveu um conto antológico – O homem que sabia javanês — em que narra as aventuras de Castelo. Não dispondo de meios pa...

O homem que sabia Esperanto

furne campina grande esperanto
Lima Barreto escreveu um conto antológico – O homem que sabia javanês — em que narra as aventuras de Castelo. Não dispondo de meios para sobreviver, Castelo contou ao amigo Castro como se tornou professor de javanês, uma maneira de conseguir alguns trocados. Precisava de um emprego e viu, no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, um anúncio de alguém que procurava um professor de javanês. Enviou carta ao jornal como era comum na época, início do século XX, na esperança de conseguir o desejado emprego.
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Não sabia nada de javanês, dirigiu-se à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro com o objetivo de fazer pesquisas sobre a língua e aprendeu algumas escassas palavras. Após alguns dias, recebeu resposta positiva da pessoa que estava interessada em aprender javanês e foi à casa do senhor aprendiz, um ancião que queria cumprir uma promessa feita a um parente – ganhara um livro em javanês e prometera ao doador do livro que iria aprender a língua antes de morrer. O aluno era nobre e tinha até o título de Barão. Castelo teve que mentir para explicar como aprendera javanês. O pai era um marinheiro javanês que aportara na Bahia e casara com uma brasileira, aí estava a razão de saber a língua. Pura mentira, mas que deu certo. Foi através da farsa que conseguiu se aproximar da via diplomática. Em linhas gerais, este é o resumo do conto.

Bem diferente é a história do homem que sabia Esperanto. Este realmente era um estudioso de línguas, tinha dupla formação, era engenheiro civil e formado também em Letras. Chegara à cidade de Campina Grande para estudar Engenharia, era natural de Triunfo (PE) e veio para Campina atraído pela boa fama do curso da Politécnica. Aliado ao gosto pelas ciências exatas, tinha apreço por línguas. Após o término do curso de Engenharia, enveredou pelas letras clássicas e vernáculas e se tornou professor de inglês do Colégio Estadual da Prata.

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Colégio Estadual da Prata, Campina Grande-PB, 1960s ▪ Fonte: Museu Virtual dos Esportes de CG (adapt.)
O mestre dos cálculos e das letras nunca viajou ao exterior. Oportunidades não faltaram, mas tinha medo de avião e de elevador. Era apaixonado por línguas. Aprendeu sozinho inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, russo, latim, tupi e esperanto. Seu aprendizado ocorreu com a leitura de livros, enciclopédias, revistas, dicionários e ouvindo a BBC de Londres e outras estações estrangeiras de rádio. A televisão ainda estava dando os primeiros passos. Era humilde como Jó, embora tivesse conhecimentos enciclopédicos. Resolveu deixar a engenharia e dedicou-se inteiramente às letras tornando-se professor de Linguística na Fundação Universidade de Nordeste (FURNE), em Campina Grande, atual UEPB.

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Antiga reitoria da Fundação Universidade de Nordeste (FURNE), Campina Grande-PB, 1970s ▪ Fonte: UEPB (adapt.)
Em uma época em que não existia computador, telefone celular e fontes modernas de pesquisas, este professor era conhecido pelos alunos como “enciclopédia ambulante”. Tinha amplos conhecimentos de linguística, história, geografia, literatura e língua portuguesa, além de latim e de grego. O reitor Lynaldo Cavalcante de Albuquerque, que conhecia bem o engenheiro/professor, convidou-o para ser seu secretário.
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Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPB, João Pessoa-PB ▪ Fonte:
Ele, então, transferiu-se para João Pessoa, começou a lecionar no curso de pós-graduação em Letras e no Mestrado de Biblioteconomia, tendo orientado diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado. Era detentor de “notável saber”. Estudioso da cultura indígena, defendeu a tese de livre docência sobre a estrutura do Dzubucuá-Cariri, demonstrando que os índios Ariús eram diferentes dos cariri e pertenciam à família dos nativos Tarairiú. Durante muito tempo, seu trabalho permaneceu inédito, só veio a ser publicado em 1984. É autor da classificação da etnografia paraibana, definindo nações e etnias no mapa da Paraíba colonial. A classificação sugerida pelo professor é aceita pela maioria dos estudiosos de Arqueologia da Paraíba.

Uma das suas paixões era o ensino do Esperanto, deu aulas particulares sobre a língua criada pelo linguista polonês Zamenhof que tinha o objetivo de facilitar a comunicação internacional entre pessoas de diferentes nacionalidades. Sabia falar, ler e escrever em esperanto, bem diferente de Castelo que não sabia javanês. A história da criação da língua Esperanto é bonita. Zamenhof a criou com o ideal de promover
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José Elias Barbosa Borges (1932—2010), professor, etnólogo, linguista e pesquisador pernambucano, radicado na Paraíba ▪ Fonte: Retalhos Históricos de CG (adapt.)
a paz entre os povos, facilitar a comunicação e o entendimento mútuo.

Tive a sorte de ser aluna de Linguística deste professor de Esperanto, embora nunca tenha manifestado o desejo de aprender a língua que propunha a promover a paz e a facilitar o conhecimento. Lamento a oportunidade perdida.

José Elias Barbosa Borges, este é o nome do professor de Esperanto, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), foi Presidente da Fundação Casa de José Américo, professor de colégios e de universidades, organizou antologias, fez pesquisas, publicou inúmeros trabalhos e merece todo apreço como professor e pesquisador incansável que foi. Se Ana Maria Machado escreveu o livro Palmas para João Cristiano (uma biografia em homenagem a Hans Christian Andersen), eu proclamo: Palmas para José Elias Barbosa Borges por suas inúmeras contribuições às letras paraibanas.

Nasceu em terras pernambucanas, mas todo seu legado literário e de pesquisa foi desenvolvido em Campina Grande e João Pessoa. Uma das suas ambições era receber o título de Cidadão Campinense, infelizmente isso não ocorreu, partiu antes do tempo.

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