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Bonobo, meu primo peludo de sangue quente
A minha primeira leitura dessa obra já tem sete anos. O retorno agora, com outros olhos, me fez ver alguns detalhes que, à época, me passaram despercebidos, por total desconhecimento do assunto. Depois da leitura de oito livros de Dawkins, comecei a enxergar melhor o que ele tem para dizer, admirando-me com um conhecimento que deveria estar na escola básica. Enquanto batemos cabeça com uma escola que teima em ser modernosa, deixamos de lado um saber que nos faria entender melhor quem somos, o que poderia nos aproximar um dos outros e nos ver com mais respeito.
Ateu confesso, darwinista ferrenho, Richard Dawkins é chamado por seus detratores de “o bulldog de Darwin”. No entanto, o que ele nos diz abre a nossa compreensão para a nossa origem como seres vivos, não só como seres humanos. A grande história da evolução é um livro singular, por várias razões, a estilística inclusive, mas bastaria uma para encantar o leitor: tendo em vista que a ciência já revelou como aconteceu a evolução da espécie, Dawkins resolve contar a história da frente para trás. Assim, ele parte para uma peregrinação em direção ao passado, do Homo sapiens às Eubactérias. Que cientista compararia, por exemplo, essa visão ao contrário da evolução com os Contos de Canterbury, de Chaucer, tomando, a exemplo do inglês, os seus peregrinos – todas as espécies de seres vivo –, narrando contos, “enquanto se dirigem à sua Cantuária, que é a origem da vida”? (p. 28).
Algumas coisas são fundamentais, para a compreensão de quem somos, nessa aventura inédita que Dawkins nos apresenta. A primeira delas é que o universo não se formou para que nós existíssemos. O que devemos ter em mente é a existência de um universo com a capacidade de nos produzir. O homem, portanto, não é um ser teleológico. Em outras palavras, se o universo foi capaz de nos produzir, não significa que houve uma deliberação para nos produzir. Como a evolução biológica não tem descendência privilegiada ou fim projetado, somos todos seres provisórios, em constante evolução, com o perigo de desaparecermos, e sem, sobretudo, qualquer privilégio hierárquico sobre os demais seres vivos, vez que “um ser vivo está sempre às voltas com a sobrevivência em seu próprio meio” (p. 22). Enfim, somos seres sempre inacabados.
Aproveitamos a oportunidade, acompanhando o raciocínio de Dawkins, para explicar que evoluir não significa, necessariamente, melhorar. Evoluir significa que houve uma volta para fora, que algo se expandiu para além do que era e, dentro da lógica da evolução, não foi o melhor ou mais bonito ou o mais forte, mas aquele que melhor se adaptou ao ambiente e conseguiu passar o seu gene adiante. Saiu de si e expandiu-se para outra geração. Um dos exemplos de Dawkins é excelente para ilustrar e destruir nossa ilusão de melhores entre todos os seres vivos: os andorinhões conseguem se manter no ar por um ano ininterrupto e copular em pleno voo. Eles, se pudessem refletir, falar e escrever se considerariam, com certeza, o ápice do progresso evolutivo... (p. 23).
Por outro lado, as estrelas foram responsáveis pela nossa existência, pois “sem estrelas não existiriam átomos mais pesados do que o lítio na tabela periódica – e uma química só com três elementos é pobre demais para sustentar a vida” (p. 18-19). O que nos leva a tomar como exata a reflexão de Alexei Filippenko, astrofísico da Universidade de Berkeley, Califórnia, quando diz que se recuarmos o máximo possível o nosso DNA, encontraremos as estrelas na nossa origem. Este é o primeiro passo para que acreditemos que os alienígenas existem...
Este retroceder de que fala Filippenko e que Dawkins faz, tendo como limite a vida na Terra, é necessário, porque assim celebramos “a unidade da vida”, enquanto que contar a história da evolução como já se fez, da bactéria para o homem, “exaltamos a diversidade” (p. 23). Ora, a diversidade já conhecemos e isto nos trouxe muitos dissabores, separações, segregações, ódios, guerras. Precisamos conhecer o que nos une a todos, como seres vivos, para que possamos nos aproximar, tendo a consciência de que somos um único organismo, ainda que disperso num mesmo sistema complexo. O importante nessa peregrinação é a consciência de que o DNA é a grande prova de que “todos os seres vivos são primos” (p. 31).
Esse parentesco nos é garantido pelo esclarecimento que Dawkins nos fornece a respeito do que é o DNA, um alfabeto de 4 letras, com um dicionário limitado de 64 palavras de três letras apenas. Esse dicionário, contudo, “é universal e não muda”. Já o DNA muda muito lentamente e vai deixando, através das gerações sua “história urdida no tecido dos animais e vegetais modernos e inscrita em seus caracteres codificados” (p. 38). Essa mensagem é não só maravilhosa, ela é inconfundível, pois “homens e bactérias possuem sequências de DNA tão semelhantes que parágrafos inteiros são idênticos, palavra por palavra” (p. 43).
Como todas as espécies são primas umas das outras e, pela lei da coalescência – a ação de retroceder ao máximo, em busca dos ancestrais, cujo limite seria o concestral, o ancestral comum a todos os seres vivos – “o progenitor universal de todos os organismos sobreviventes provavelmente foi um semelhante a algum tipo de bactéria” (p. 24). Não é de espantar que os chimpanzés e bonobos, sejam os nossos primos mais próximos, primos peludos e de sangue quente, como está no título deste texto. Nem é tampouco de se admirar que, com relação a alguns genes específicos, somos mais aproximados no parentesco com alguns chimpanzés do que com alguns humanos (p. 85). Quando tomamos a consciência desse parentesco, a barreira separatista, entre as espécies e mesmo entre os de nossa espécie, tende a ruir, ainda que lentamente. Se fôssemos instruídos desde cedo nesse grande milagre que a ciência nos apresenta, tenho certeza de que menor seria o desrespeito à natureza e a nós mesmos.
Uma última palavra. Mesmo sendo ferrenho darwinista e ateu juramentado, a maneira como Richard Dawkins nos apresenta o seu livro faz-nos crer ainda mais numa força poderosa que comanda inteligentemente todo o universo. Veja-se o trecho em que ele se refere aos genes:
Troquemos “recipientes temporários” e “pontos de encontro temporários” por “corpo”, e “genes” por “alma” ou “espírito”, e teremos a mesma concepção para a espiritualidade, para o ser espiritual que somos. O gene está para a ciência como o espírito está para a espiritualidade; o corpo continua sendo apenas o recipiente temporário necessário para a evolução de ambos. Sobreviva e passe seu gene adiante, conforme se encontra inscrito no código genético de cada ser vivo, está em estreita relação com “nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre”. Tal é a lei, na ciência ou na espiritualidade.
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As migalhas de Sua Excelência
Eugène Rougon é um advogado de província, nascido em Plassans, sul da França, que busca Paris como uma maneira de melhorar a vida. Advogado medíocre, mas com um pendor todo especial para a política, logo ele percebe as reais intenções de Charles-Louis Bonaparte, eleito democraticamente presidente, na instauração da Segunda República Francesa, em 1848. Tornando-se seu acólito, Eugène apoia e ajuda a urdir o golpe de Estado de 1851, que tornaria o presidente Louis Bonaparte, no ano seguinte, o imperador Napoleão III. Feito ministro, ele se torna sua Excelência Eugène Rougon, presidente do Conselho de Estado, segunda pessoa do imperador.
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Gavroche é o espírito parisiense em forma de criança. Mas não uma criança qualquer. Gavroche é o que o francês chama de gamin, no seu primeiro sentido, de viver a brincadeira e as licenciosidades das ruas, com espírito crítico, gozador e libertino. Para a época de Hugo, introdutor da palavra na língua francesa literária, com Notre-Dame de Paris (1831) e Claude_Gueux (1834), gamin era termo da língua popular não digno de frequentar o vocabulário dos grandes escritores. Hugo associa definitivamente o vocábulo a Gavroche, personagem memorável de Les Misérables (1862). Tão memorável que repercutiu em nosso Cruz e Souza, no célebre soneto “Acrobata da dor” – “Salta, Gavroche, salta, clown, varado/Pelo estertor dessa agonia lenta...”