Em A besta humana (La bête humaine, 1890), Émile Zola põe na boca da personagem Séverine Roubaud os detalhes do assassinato do senhor Grandmorin, presidente da companhia de trens, por seu marido, que fez dela cúmplice forçada. O crime acontece no interior de um trem, que se desloca de Paris ao Havre (Capítulo II), e só nos é mostrado fragmentariamente. O leitor tem conhecimento do acontecido, não tem dúvida a respeito dos culpados, mas faltam-lhe os detalhes do ocorrido.
A insônia é ladra impune. O sono é levado e o lesado fica ridiculamente rolando na cama, espichando os olhos para o céu, escutando o ronco das motos e carros, pensando. Ou se debate ou abre um livro para ler, se é que não escolhe algum filme da sessão coruja. Não sabe o insone que ele ou ela o é.
O momento que vivemos no país me levou ao Minory Report, que Spielberg lançou em 2002. O brasileiro Miguel Angelo Laporta Nicoelis, que foi o primeiro cientista a receber, no mesmo ano, dois prêmios dos Institutos Nacionais de Saúde estadunidenses, o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science, e que lidera um grupo de pesquisadores da área de Neurociência na Universidade Duke, Durham (Estados Unidos), disse, ante os mais de 350 mil mortos pela covid 19 no Brasil, que “podemos chegar a 500 mil na metade do ano”.
“No ano de 2054, há um sistema que permite que crimes sejam previstos com precisão, o que faz com que a taxa de assassinatos caia para zero”.
Nicolelis fala, portanto, como um dos três chamados Precogs, que "previsualizam" crimes , recebendo visões do futuro, uma delas, a de que Anderton (Tom Cruise) vai assassinar um homem chamado Leo Crow – que ele sequer conhece - em 36 horas.
Isso me remete, por sua vez, ao “Édipo Rei”, de Sófocles, em que o oráculo de Delfos prediz que ele matará o pai e se casará com a mãe, o que significa que – em 429 a.C e no ano 2054 – continuamos com o velho problema envolvendo Liberdade e Determinismo.
Anderton, no entanto, fica sabendo que um dos Precogs tem uma visão diferente dos outros dois, um "relatório minoritário" - o Minority Report do título - de um possível futuro alternativo.
A vida imita a arte:
Alessandro Vieira, Jorge Kajuru e outros senadores cobram de Rodrigo Pacheco – presidente do Senado - a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) , destinada a investigar as ações do governo no combate à pandemia de coronavírus.
Pacheco – que deve o cargo a Bolsonaro - reiterou que o momento atual não favoreceria a abertura da comissão parlamentar de inquérito e que aguardaria a posição do STF sobre o pedido apresentado à Corte pelos senadores. E é informado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) sobre decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que determinou a instalação da CPI.
Falei em Édipo, em Precog, em Nicolelis, no STF, no Pacheco. Leiam isto:
Mateus 13, 13-15:
- Por essa razão eu lhes falo por parábolas:
"Porque vendo, eles não veem
e, ouvindo, não ouvem
nem entendem”.
Neles se cumpre a profecia de Isaías:
"Ainda que estejam sempre ouvindo,
vocês nunca entenderão;
ainda que estejam sempre vendo,
jamais perceberão.
Pois o coração deste povo
se tornou insensível;
de má vontade
ouviram com os seus ouvidos,
e fecharam os seus olhos.
Se assim não fosse,
poderiam ver com os olhos,
ouvir com os ouvidos,
entender com o coração
e converter-se,
e eu os curaria”...
“Sou um arquiteto igual a milhares, com o nome de William Blanco Trindade, que também se assina Billy Blanco, tirando de letra e música as coisas da vida”
Assim o compositor Billy Blanco se apresentava na introdução do seu livro “Tirando de Letra e Música” (Editora Record, 1996). Nada mais correto. O arquiteto, que foi durante muitos anos da sua vida, era também um excepcional compositor que “tirava de letra e música as coisas da vida”, até porque, como ele costumava dizer,
Tarde em Tambaú
Restos de nuvens
São bailados de andorinhas.
Não me comoveu
A morte daquela noite.
O galo cantou
Relógio de meu pai.
Na parede, inerte,
Fala-me de todas as horas.
Narra o mito que Zeus, o deus maior, incumbiu as demais divindades de criar um ser - Pandora - atribuindo-lhe todos os dons (παν+δωρα), a ser entregue a Epimeteu (επι+μήτις, o que percebe depois), que a recebe apesar das advertências de seu irmão Prometeu ( προ+μήτις, o que percebe antes). Impelida pela curiosidade, ela abre a caixa cujo interior continha todos os males, que, a partir de então, passariam a existir entre os homens, à exceção da esperança/expectativa (έλπις), única a restar na caixa. Tal ocorreu porque Prometeu roubara o fogo do Olimpo, morada dos deuses,
Não sou eu quem me navega,
Quem me navega é o mar.
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar.
Paulinho da Viola / Timoneiro
Sou um poeta pretensioso.
Meu desejo não é deixar registrado
um poema. Quero que meu legado
seja uma palavra.
O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em diversidade musical. Alguns gêneros caracterizam as regiões onde surgiram ou se desenvolveram, possibilitando que, ao se ouvir uma música, possa identificar qual a sua região de origem.
Há 50 anos, na manhã de 31 de março de 1971, o Diário Oficial do Estado circulou normalmente, como fazia todos os dias, chegando às repartições públicas e a todos os municípios paraibanos. Ao folhear suas páginas, os leitores mais atentos à preservação dos bens culturais, da história e da memória das cidades paraibanas, se depararam com a publicação do Decreto nº 5.225, que criava o IPHAEP - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba.
Desde muito, Bené Siqueira (na trilha em intervalo das figuras de Kleber Cruz Marques e Walter Rabello dos meus breves tempos de Liceu) se impõe no meio escolar entre os melhores professores de Matemática, daqueles que conseguem abrir a cabeça mais obtusa para a intimidade com a disciplina.
O mito é uma criação fantasiosa que procura explicar aspectos da natureza ou da condição humana. Nossos antepassados os cultivavam para dar sentido ao mundo. Esse reinado da imaginação durou séculos, até ser destronado primeiro pela filosofia, depois pela ciência.
Perceptível pequeno mundo gigante onde muitas vezes ignoramos sua existência. Passamos ao seu lado, por cima dele, inacreditavelmente nem reparamos sua grandeza e beleza. E perdemos a oportunidades de conhecer mais o nosso próprio habitat, de encontrarmos um pouco de poesia, de descobrirmos que somos grandíssimas miniaturas. Ali, tão perto, atingível, tocável, penetrável...
Você já viu o sol nascer em Chipre? Ele surge como o carro de fogo de Apolo e suas faíscas põem gotas de ouro sobre o Mediterrâneo azul. Uma brisa atravessa as montanhas e agita as águas claras, enchendo o coração dos homens de pequenos risos.
O poeta Augusto dos Anjos imortalizou o tamarindo do Engenho Pau D’árco com versos primorosos. O professor Milton Marques Júnior trouxe para o ambiente da imortalidade das Letras o símbolo desse poeta, plantando uma muda dessa árvore no Jardim dos Acadêmicos, para que o poeta, o professor e o tamarindo estejam juntos, eternizados no recanto mais sublime de nossas letras e artes, que é a Academia Paraibana de Letras.
Normalmente, quando um artista, um escritor, um pensador desaparece, sinto-me atraído por um retorno às suas obras. Certamente é uma maneira de afirmar sua presença ainda entre nós, uma espécie de vitória sobre a morte, tão pertinente nestes tempos de Páscoa cristã. Realmente, quem deixa uma obra atrás de si sobrevive à parada do coração, pelo menos por uns tempos. E às vezes resiste para sempre, como é o caso dos verdadeiramente grandes. Shakespeare, por exemplo.
A liberdade e a felicidade são gêmeas univitelinas! Passamos a vida procurando por elas em diferentes momentos e situações, cada fase da vida, cada idade nos deparamos com felicidades e liberdades diferentes, mas com a maturidade e dependendo das experiências de vida, entendemos que a vida é feita de várias felicidades, várias liberdades diferentes...
A provocação veio de Bauru, de Amanda Helena, para falar aqui sobre Astrud Gilberto e João Gilberto. São dois nomes que me encantam sempre.
Sobre João Gilberto, meu irmão tinha um disco com mais de trinta músicas do baiano e vez em quando colocava pra tocar. Adorava a música do pato. Astrud vim conhecer depois, embora os dois tenham sido contemporâneos e até formaram um casal.
Foi na época em que trabalhei no Núcleo de Arte Contemporâneo (NAC), órgão da Universidade Federal da Paraíba, que ouvi, pela primeira vez, a expressão fazer fotografia. Até então, só escutara o termo tirar fotografia. E como estava lendo o monumental “Mimesis”, de Eric Auerbach, procurei estabelecer, meio intuitivamente, um cotejo entre as duas expressões.
O tema das celebridades é contemplado à exaustão em diferentes modalidades pela sétima arte e aparece majestoso no filme O Crepúsculo dos Deuses (1950), retratando a decadência da estrela Norma Desmond, que envelheceu e sendo esquecida, enlouquece e mata o jovem amante, quando descobre que perdeu o amor, o glamour e a glória do passado. O clássico Sunset Boulevard (no original) antecipa a histeria das pessoas em busca de fama e visibilidade no campo midiático,
algo que vai ganhar intensidade no século XXI, na era dos realities shows.
O filme atira contra o sistema opressivo da "sociedade do espetáculo" (Debord), denunciando a crueldade da indústria do cinema que explora os atores, absorvendo-lhes o talento, a energia, o vigor da juventude e depois os atira à margem da vida, quando chegam irremediavelmente à velhice.
Abordando o mundo dos ídolos e celebridades, Woody Allen atualiza a sua verve irônica no filme sintomaticamente chamado Celebridades (1998), uma leitura ácida da indústria cinematográfica. Lançando um olhar satírico sobre os famosos, Allen desconstrói o esquema das mitologias da fama, exibindo os superstars como pessoas emocionalmente desequilibradas.
O desejo extremo da fama midiática constitui a substância principal de um trabalho insólito, encarnado por Nicole Kidman, Um Sonho sem Limites (Gus Van Sant, 1995), cuja personagem representa uma ambiciosa "moça do tempo" e ajudada por dois adolescentes problemáticos, mata o marido (Matt Dillon), que lhe ameaça o sucesso pessoal. No desfecho final, a metáfora da aspirante à celebridade morta e congelada, deslisando sob a superfície de um lago canadense é implacável.
Porém, mais radical na exposição da ânsia dos indivíduos de ficarem famosos é a película 15 Minutos (John Herzfeld, 2001), no qual um emigrante russo (ajudado pelo cúmplice) exagera no desejo mórbido de realizar os seus "quinze minutos de fama", deixando-se filmar enquanto mata as suas vítimas com requintes de crueldade.
Com estilo mais clean, bonito e sofisticado, o cineasta Robert Altman modela um retrato irônico e divertido do mundo das passarelas, em Prêt-à-Porter (1994), satirizando os repórteres e outros agentes do "mundo fashion".
São impagáveis as cenas das editoras de moda nuas, ajoelhadas, implorando os favores de um fotógrafo profissional. A estória se passa na cidade de Paris, onde estão reunidos os estilistas, modelos, jornalistas e celebridades para a temporada dos desfiles da alta costura; dentre eles circulam oportunistas, bajuladores, ladrões, envolvidos em falcatruas, em luta ferrenha para se sobressair no cobiçado e lucrativo mundo da moda.
Contudo, nada parece mais extremo do que Assassinos por Natureza (Oliver Stone, 1994), que narra a odisséia sinistra de uma dupla de jovens facínoras, usando a mídia eletrônica e câmeras portáteis roubadas para contar suas estórias macabras.
Um repórter inescrupuloso os adula, os coloca no ar em cadeia nacional, fazendo deles celebridades criminosas. Mas os assassinos exibicionistas superam a perversidade do jornalista, tomam-no como refém e atiram nele, preferindo o testemunho da câmera automática que registra as suas proezas sádicas, assegurando seu lugar na posteridade.
Do livro "Epifania das Imagens - Apolo e Dionisio no Cinema", disponível na Amazon