Aprendemos mais com a leitura dos autores do que lendo o que se escreve sobre eles. Antes que alguém me crucifique pela afirmação, eu me e...

A leitura entre a boca e o juízo

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Aprendemos mais com a leitura dos autores do que lendo o que se escreve sobre eles. Antes que alguém me crucifique pela afirmação, eu me explicarei. Há um vício corrente nos cursos de Letras de começar o estudo de um autor pela sua fortuna crítica. Seria compreensível essa atitude na pós-graduação, quando se espera que os mestrandos e doutorandos já tenham uma sólida base de leitura. Não é o caso. Na graduação, então, nem se fala, tendo em vista que, como sabemos, Letras não é o curso dos sonhos nem de muitos que ali se encontram.

Ler o autor ou autores; tornar-se íntimo de sua escritura, de seu estilo; impregnar-se deles; saber fazer um discurso seu, vindo de seu entendimento, sobre eles, eis o conselho que dou aos meus alunos. Depois disso, podemos partir para a leitura crítica, pois teremos condições de julgar o que se escreveu sobre os autores. Nada contra o professor que, muito desenvolto, é capaz de repetir e sistematizar uma leitura crítica de outras pessoas. Mas, ele deve fazer o esforço para realizar junto aos alunos, leituras que nasçam de seu entendimento dos textos, mostrando cada passo que deve e pode ser feito.

Gosto muito do que diz o padre Antônio Vieira, na parte VII do Sermão da Sexagésima, sobre o entendimento, quando analisa, em seus dias, a causa da pouca eficiência da pregação:

“As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pregadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.”

É necessário, portanto, mostrar aos alunos os caminhos que eles, como leitores, devem percorrer, estabelecendo um método que possa vir a ser próprio, a partir do exemplo convincente do professor. Só com o conhecimento adquirido, a partir da leitura persistente, a análise de uma bibliografia crítica pode ser feita, permitindo selecionar os textos que dizem algo útil, daqueles que nada dizem, por serem muito genéricos ou tautológicos. Mais ainda, o hábito da leitura crítica mostrará que muito do que se escreveu sobre determinado autor é bis idem — de novo, a mesma coisa — ou como se diz atualmente, mais do mesmo.

A repetição de leituras feitas por outro pode ser interessante, apenas em um determinado instante, como uma forma, sobretudo, de acentuar o método utilizado, além de demonstrar uma visão crítica em relação ao texto. Não é porque o texto foi escrito por uma “autoridade”, que ele deve ser aceito. Ele deve ser aceito pelo que demonstra de conhecimento sobre o autor analisado. A razão da “autoridade” deve ser substituída, sempre que necessário, pela autoridade da razão.

Em seguida, o professor deverá apresentar suas leituras e incentivar que os alunos façam a sua própria, ainda que sejam incipientes. Ler criticamente deve constituir um hábito e este hábito se constrói lentamente, realizando-se em pequenos textos, que passam pela paráfrase, pelo resumo crítico, pela resenha crítica, caminhos seguros para um artigo analítico ou um ensaio. É preciso, pois, puxar pelo entendimento, pois este não sai da boca, mas da cabeça. Diz ainda Vieira, no mesmo trecho:

“O que sai da boca, para nos ouvidos; o que nasce do juízo penetra e convence o entendimento”.

O que, aparentemente, o padre Antônio Vieira apresenta como uma teoria da pregação, torna-se, na realidade, uma teoria do conhecimento, pela via do entendimento. A leitura dos autores literários não deve vir de outros, mas a partir de nós mesmos, fazendo-nos íntimos do que eles escrevem, a ponto de podermos falar, com certa facilidade, do prazer do que aprendemos. Ou do desprazer, afinal a estesia (αἲθησις) não se refere só ao que nos causa boas sensações. Boas leituras a todos.

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  1. Salvas Milton Marques Junior.. simples/ belo texto!!
    Assim deve ser!!
    Paulo Roberto Rocha

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  2. Muito obrigado, Paulo Roberto, por você estar sempre presente. Abraços!

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