A nomenclatura criada pela ciência para identificar a patologia “Síndrome do Coração Partido”, por estranho que pareça, um nome meio poéti...

Síndrome do medo

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A nomenclatura criada pela ciência para identificar a patologia “Síndrome do Coração Partido”, por estranho que pareça, um nome meio poético, é banhada de tons patéticos e fulminantes.

No entanto, essa pandemia não fica para trás. É carregada em nossa atmosfera de vivências humanas num clima traumático de desassossego; tem carcomido a normalidade dos nossos nervos com avidez, provocando um mar de apreensões.

Recentemente, um desenlace chocou a MPB: a perda do talentoso sambista Nelson Mattos, conhecido como Nelson Sargento. Ele deixou o samba, a música, a escola, seus afetos e subiu como astro, para a formação da grande constelação de gênios, ceifados por essa brutal agressão do vírus assassino de Wuhan.

"Brilha no céu o astro rei com fulguração...” A sua poesia é o que nos conforta, nesse pródigo momento que nos leva ao resigno das perdas surpreendentes dessa tempestade.

Nelson Sargento era grande compositor, poeta, cantor, ator, presidente de honra da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira e um dos mais importantes nomes da arte musical brasileira.

Despediu-se do mundo em pleno outono, "abrasando a terra, anunciando o verão", tal qual a letra/poema de um de seus mais bonitos sambas: "Primavera, estação das flores". Partiu com a música, no auge de sua estação de vida: "pontilhada de amores", verdadeiro kigo, (conjunto das quatro estações do ano), considerado pelos orientais e cultores do haikai, como essência da poesia, essa que puxou para dentro do samba, nessa época de desintegração de tantos crepúsculos e muitas vidas.

Nada mais podemos fazer que guardarmos toda a essência do que ele foi memorizando-o em sua lápide verde-rosa, a admiração que sentíamos, enquanto dava vida ao samba de altíssima qualidade, que o eterniza agora.

E, quando mal acabava de respirar o ar fatídico da viagem do Nelson Sargento, chega o amigo Sérgio Botelho e escancara na rede social a notícia da passagem do popularíssimo “Jacaré”, na Capital paraibana.


"Jacaré" era um homem de coração humilde e de uma grandeza imensa. Não ofendia a ninguém. Às vezes, só a ele mesmo. Mas, nunca chutava para fora, tampouco dava o passe errado.

Tomava suas cachacinhas, e o Papa nunca soube que era por empolgação, pelo time do qual era um torcedor fiel. Andarilho, vivia na rua, rezava na cartilha dos existencialistas e nunca bateu na mão de quem tivesse também segurado em sua mão com firmeza.

Figura popular, querida por todos, isto já era mais de noventa por cento do seu perfil. Ardente torcedor do Botafogo, tinha disciplina, educação e um milhão de amigos! Merece, sim, uma homenagem, meu caríssimo Sérgio Botelho, muito mais do que a maioria dos políticos do nosso Brasil “brasileirinho”!

A camisa do Botafogo que “Jacaré” usava cabia dentro de sua honradez e dignidade, assim como coube dentro de minha comoção, e da solidariedade de muitos.

Despedi-me dele por acaso! Fui à feirinha de Tambaú, há pouco tempo, e lá aproximou-se de mim. Pediu-me uns trocados e - em tom de lamento - deu-me a notícia de que Zé Carlos (do Café São Braz) estava intubado. Depois saiu devagarinho, com o seu andar alto e baixo, pesado, meio manco. Parecia driblar o vento nas várias direções jogadas nos limites incertos de seus caminhos. Desapareceu na esquina. Só que eu não sabia que, com pouco tempo, eu iria saber do seu súbito apito final.

Quando vi a notícia, hoje, fiquei boquiaberto! Quase fui eu mesmo o próprio Jacaré! Mas, não! Só fiquei estático. Deu-me uma tristeza danada! Daquelas em que a gente fica com os olhos abertos, só pensando, matutando, matutando!!!

Compreendo e aceito os fenômenos de mutação, mas fiquei um pouco chateado em saber que "Jacaré" deixou de perambular pelas ruas de Jampa. Enfim, não está mais em nosso campo, sem mais nos dar conta das pessoas e do mundo. Jamais de si mesmo!

Que Deus abrande a síndrome de nossos medos e, mais ainda, a vulnerabilidade de nossas fraquezas!!!

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  1. Reconhecimento da honra de um homem.Grande Saulo

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  2. Maria Izabel Monteiro Marinho de Souza2/6/21 11:23

    Como sempre, palavras maravilhosas, meu amigo Saulo. Bom demais amanhecer com tão linda homenagem a esses dois grandes homens. Grande abraço.Bel Monteiro - Viçosa-MG.

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  3. Oi Saulo, como sempre vc fala oq muitas vezes a gente so sabe sentir .Esse momento,até ja podemos chamar de temporada q estamos vivendo, nos deixa cada dia mais abalados e inseguros.Queira Deus,q essa situação, nao nos faça perder a sensibilidade e q nao passemos a ver como uma coisa banal.Seria ainda mais triste.Grande abraço, e tenha uma noite de paz.

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