A peste do milênio levou os cemitérios para as matas. O cemitério dos pobres, dos que não podem virar cinza antes do tempo. Pequeno, eu...

Refúgio verde

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A peste do milênio levou os cemitérios para as matas. O cemitério dos pobres, dos que não podem virar cinza antes do tempo.

Pequeno, eu via passar na estrada ao lado do nosso terreiro, acompanhado apenas pelos carregadores, os mortos que iam ser enterrados no cemitério da cidade. Parece que uma lei proibia de enterrar gente no mato, no lugar mais apropriado, como achava seu Herculano, um morador que era ouvido pelo dono da propriedade. “Com essas matas e capoeiras todas, por que não enterrar aqui mesmo? Bota-se uma cruz na cova e pronto”.

Fagundes Varela, nas suas angústias, ganhava a mata. Passava dias e mais dias sumido no meio da floresta, de que o Rio de Janeiro sempre foi rico, incorporando-se à sombra vaporosa dos vegetais, tentando libertar-se do seu vale de lágrimas. Devo ter iniciado com ele, na seleta dos seus versos que me chegaram na escola, o gosto, o amor por tudo que brota viçoso da terra.

E foi pensando nele, neste “pobre homem triste, mal vestido, de cabelos grandes, que escrevia cartas pedindo dinheiro emprestado, que gostava de andar só”, como o descreve nosso Lins do Rego, que fiz meu primeiro verso, mais preocupado em achar a rima do que em passar a outro o meu sentimento.

E o que me inspirou nesse cometimento? Ninguém menos que o pirauá gigante de minha cidade, plantado à porta do cemitério com altura e fronde bastante para se pendurarem todas as almas. Sem muita imponência nessa foto que revejo agora no livro do dr. José Borges, árvore triste que um cantador de viola, chegado de Remígio, tratou-a como a árvore da ressurreição. As pessoas não eram enterradas, mas bem plantadas, pegando de novo e subindo pelas raízes, nervuras e folhas todas do primeiro monumento de minha terra. O segundo era um obelisco que terminou incomodando um prefeito desses novos, que o derrubou.

Os poetas têm essas visões. Não como a noite dos Vencidos, de Augusto, mas pelos filhos que, depois da morte, inda teremos, como Augusto no mesmo soneto se corrige:

“Não morrerão, porém, tuas sementes! / E assim, para o Futuro, em diferentes / Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos (...) Depois da morte inda teremos filhos!

Na mata é onde deviam estar os cemitérios. Debaixo das árvores que haveriam, elas mesmas, de nos consumir.

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  1. …haveriam, elas mesmas, de nos consumir. A nós, que tantas árvores consumimos em vida.

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