O episódio é bastante conhecido. No dia 28 de junho de 1914, o Arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do trono da Áustria-Hungria visitava com sua mulher a cidade de Sarajevo. Ao passarem em um carro aberto por uma das ruas da capital da Bósnia foram assassinados a tiros por membros de um grupo nacionalista que reivindicava a emancipação da região que era então parte do Império austro-húngaro. Nas quatro semanas que se seguiram ao ato terrorista que levaria ao início da Primeira Guerra Mundial, uma voz portentosa se levantou em defesa da paz tentando convencer os trabalhadores a não participarem do conflito, era a voz do líder socialista francês Jean Jaurès.
Jean Léon Jaurès nasceu, em 1859, em uma família de classe média, em Castres, no sudeste da França. Após concluir o ensino básico, mudou-se para Paris onde ingressou na École Normale Supérieure,
Jean Jaurès, aos 16 anos ▪ 1875
Humanista e democrata, Jaurés evoluiu para o socialismo tornando-se uma das principais figuras do Partido Socialista francês. Foi um dos principais defensores, com o escritor Émile Zola, da revisão da penalidade imposta ao capitão Dreyfus, que era acusado de traição à França. Esta posição valeu a Jaurès críticas de setores marxistas que consideravam que a defesa de um militar burguês não era um assunto prioritário. Jaurès argumentava que o militar era alvo de uma injustiça que deveria ser reparada. Jornalista atuante, em 1904 Jaurès fundou o jornal l’Humanité, que se tornaria um dos principais periódicos da França.
Em 1911, Jean Jaurès veio ao Brasil proferir conferências no Rio de Janeiro e em São Paulo. O jornalista João do Rio (Paulo Barreto) fez um relato das apresentações de Jaurés no Rio em uma crônica que escreveu para a “Gazeta de Notícias”:
“O Sr. Jean Jaurès partiu hontem para S. Paulo. Das tres conferencias annunciadas, o caudaloso e bonissimo orador só realizou duas para uma casa lamentavelmente vasia [...] O único politico que lhe prestou attenção foi o Sr. Rio Branco, assistindo ás duas conferencias. Do governo mais ninguem lhe apareceu [...] Os deputados e senadores primaram pela ausencia, convencidos, talvez, de que nada iriam aprender de oratoria com o chefe socialista [...] Um homem sem ‘poses’, simples, reivindicador social, com uma sobre-casaca velha, as botas por polir e a barba hirsuta, suando e fallando com uma voz de trombeta contra o armamento das potencias, contra o capital ou a proposito da revolucão franceza e o problema operario – não devia encantar os admiradores do Lyrico Infantil”
ESQ: Jean Jaurès, na viagem à América do Sul, em 1911 ▪ Wikimedia / DIR: Anúncio da palestra (Jornal A Noite, RJ, 18.08.1911 + Caricatura de J. Carlos (Careta 26.08.1911) ▪ Biblioteca Nacional
Um conflito nos Balcãs ameaçava, em 1912, arrastar toda a Europa para a guerra. Em um congresso de trabalhadores realizado em novembro daquele ano, em Basle, na fronteira suíça, Jaurès discursou do púlpito da Catedral local defendendo a paz e evocando a epígrafe usada por Schiller na “Canção do Sino”: “Chamo os vivos, choro os mortos e espanto os raios”.
“Chamo os vivos, para que possam defender-se do monstro que surge no horizonte. Choro os inúmeros mortos que neste momento apodrecem no Leste. Espantarei os raios da guerra que ameaçam os céus”.
No ano seguinte, Jean Jaurès se posicionou frontalmente contra um projeto que aumentava, de dois para três anos, o tempo de engajamento no serviço militar francês. Com a aprovação do projeto, o tribuno socialista iniciou um grande movimento para tentar a revogação da lei, com discursos no parlamento, artigos na imprensa e manifestações públicas. Esse seu posicionamento acarretou grande animosidade à sua pessoa por parte de grupos nacionalistas radicais.
25 de maio de 1913: Jean Jaurès discursa durante a manifestação em Pré-Saint-Gervais contra a lei de três anos ▪ Maurice-Louis Branger ▪ Wikimedia / CC0
Wikimedia
Na noite do dia 25 de julho de 1914, quase um mês após o ataque terrorista da capital da Bósnia, Jean Jaurès discursava em Lyon:
Lyon ▪ 1914
“Quero dizer-lhes esta noite que nunca estivemos – que durante quarenta anos a Europa nunca esteve – numa situação tão ameaçadora e tão trágica como a que vivemos neste momento [...] Pensem no que será o desastre para a Europa [...] Que massacre, que ruínas, que barbárie! E eis por que razão, quando as nuvens da tempestade estiverem já sobre nós, ainda quero ter esperança de que o crime não seja consumado.”
Seis dias depois de discursar em Lyon, no dia 31 de julho, Jaurès deixou a redação de l’Humanité para jantar no Café du Croissant, que ficava em frente ao prédio do jornal. Sentou de costas para uma janela do restaurante. Pouco tempo depois, foi alvejado, de curta distância, com dois tiros na cabeça desferidos por um extremista nacionalista e militarista. Jean Jaurés teve morte imediata. Para Trotsky, Jaurès “tombou na arena, combatendo o mais terrível flagelo da humanidade: a guerra”.
Paris, 31 de julho de 1914: Café du Croissant, após o assassinato do pacifista Jean Jaurés ▪ Fonte: Meister
O assassino de Jean Jaurés foi detido logo após o seu ato criminoso, mas somente foi julgado depois da guerra. O julgamento foi realizado em um ambiente de exaltado patriotismo pela vitória da França
“Trabalhadores! Jaurès viveu para vocês, morreu por vocês. Este veredito monstruoso proclama que o seu assassinato não é um crime. Este veredito põe fora da lei, vocês e todos os que defendem a vossa causa”
Dez anos após a morte de Jean Jaurès, como uma forma de reconhecimento pela sua luta em defesa da paz entre os povos, os restos mortais do valoroso líder socialista foram depositados no Panteão dos heróis da França. Na entrada do velho Café du Croissant na Rue Montmartre, em Paris, um painel indica que Jean Jaurès foi assassinado no local. O poeta, compositor e cantor Jacques Brel, o autor da magistral canção “Ne me quitte pas”, imortalizou na música o nome “Jaurès” .
O autor no Café du Croissant, Rue Montmartre, Paris