“Duinho viu de longe a tia nadando ao seu encontro. Deve ter pensado que Rosário resolvera brincar. Ficou ainda mais alegre e recomeçou...

Baixa do Mel

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“Duinho viu de longe a tia nadando ao seu encontro. Deve ter pensado que Rosário resolvera brincar. Ficou ainda mais alegre e recomeçou a bater na água, dessa vez com mais força. O barulho não o deixou perceber o desespero da tia, muito menos entender que ela gritava para ele parar de se mexer.”

Duinho tem cinco anos, vem da cidade com os pais e a irmã maiorzinha para aventuras como essa no povoado onde reinam os avós, e, sem noção alguma do perigo, avança no imenso e fundo espelho d’água tendo uma cabaça como boia e na sua cabecinha “o meu barquinho”.

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Leitor na mesma noite em que colhi o autógrafo, mesmo abrindo as asas devagar, apurando a vista, não vi se amanheceu ou não amanheceu na janela real do bairro dos Expedicionários. E lá uma ou outra vez, topando a esmo ou mesmo por propósito do autor numa pegada do factual - um rastro qualquer de quarenta anos de jornalismo exato, no estilo próprio – é que o narrador entregava a autoria de Rubens Nóbrega.

O romance tem linguagem própria? Tem, pois não. É romance, na leitura de caixeiro como eu, que pega e solta, pega e solta, toda a narração mais extensa desde que a linguagem não atrapalhe. Que você nem se lembre que está lendo, só vivendo. Seja “A Carne” de Julio Ribeiro, citado por Chico Viana a pretexto de uma rápida cena de cama, que nem cama era, e já numa hora (hora final do romance) em que todas as ambições civilizadas de poder ou de mando, pisando num charco de misérias, seria engolida quase inteira pela tromba d`água que desabaria sobre a Baixa do Mel, a pequena cidade que se liberta da geografia concreta, real e vizinha de Bananeiras para girar em qualquer terra ou tempo onde sobrevivam esse gênero de artimanhas.

O leitor precisa saber mais claramente de que se trata e nada melhor, nesse gênero de cozimento, que o mestre que sabe o ponto do mel na caldeira final de apuração, Chico Viana:

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Chico Viana
“O livro, que é um misto de ficção, jornalismo e registro sociológico, inicia-se com o afogamento do menino Duílio num açude do povoado. Esse evento deflagra uma onda de violência contra indivíduos cujo `pecado` é serem diferentes do que se convencionou chamar de normal. Eles pagam por não se enquadrarem nos ditames de uma sociedade tradicionalista e avessa a tudo que destoa dos valores que, bem ou mal, ela consagra.”

Morre a criança que mãos salvadoras, sendo negras, são renegadas e impedidas de tocar nela. Era um dia de farra, de bebedeira no chuveirão, o rabo de pavão d`água largado pela sangria a fazer a costumeira libação da turma da pesada. Botam a culpa no negro Beto e desembesta o massacre culminado com o estouro da barragem como uma punição sobre pecadores e inocentes da Baixa do Mel.

Livraria do Luiz
Malgrado a idade, andei pela noite 227 páginas, nem tanto pelos pecados e horrores da ambição política, de ganho ou de mando, que não constituem revelação — salvo se despontasse alguma esperança — mas pelo deslizar sutil da própria narração: cada situação em seu lugar, escrita com as palavras mais simples, sobretudo o fio condutor levado por Duinho, Cicinha, Rosário, o negão Beto, os que dão asas seguras a todo o voo.

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