Uma penumbra caiu no meio da tarde. Lá fora, a chuva intermitente de um verão estranho anunciava-se, pronunciava-se, revelava-se, molh...

Vespertinas palavras

chuva nostalgia reflexao tarde
Uma penumbra caiu no meio da tarde. Lá fora, a chuva intermitente de um verão estranho anunciava-se, pronunciava-se, revelava-se, molhava. Do lado de dentro, o retorno à idade das velas, com a escuridão das nuvens projetada nos ambientes fechados e ainda mais claustrofóbico devido à suspensão do fornecimento de energia. Mesmo chuvoso, o clima era abafado, esquisito, impróprio para janeiros comuns.

As ideias, talvez por força de opressão do temperamento do tempo, ferviam, se misturavam umas às outras, como jogadas em um caldeirão fervente em que era atirada água nas partes externas. E o vento nas árvores, a água projetada à vidraça como pequenos projéteis, sombras
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Pablo
dançam nas paredes em torno dos seres viventes imóveis, animações a temperar as horas vespertinas.

Pelo espaço ainda seco e abafadiço, muitas mentes inertes à espera de tanta coisa além de serem energizadas. Juntas, ocupam muitos mundos, representam histórias diversas, exprimem inúmeros desejos, oprimem olhares e risos ou, ao inverso, libertam numa explosão o interior e chovem sensitivamente por todos os recantos. Sim, exalam o perfume de si mesmos: seus tempos, temperos e temperamentos.

Do mesmo modo chuvoso, as palavras soam como salpicos cimentando sentidos ao juntar-se aos demais. As letras, uma a uma, identificam-se para tornarem-se chuvas e até mais, tempestades. Tudo depende de tanta coisa. E até tornam-se ideias por meio das mãos/mentes ardentes.

Os ponteiros avançam pelo vespertino ambiente quase noturno. Erguem-se silêncios e palavrórios em pontos diferentes, como ilhas na sala extensa, feito botes salva-vidas em mar revolto. Aqui e acolá juntam-se frases e mudos diálogos. Uns com o que dizer, tantos, com o ouvir displicente,
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DigArt
além dos poderosos sons dos olhos e mãos e jeitos.

É janeiro que abafa, mas também molha corpos de plantas e bichos soltos. E estira-se como se fora maior do que é no espaço temporal demonstrado pelo calendário. Faz refletir em aparente férias os motivos da chuvarada, da invernada desprovida de razões, como se a vida necessitasse de motivos para existir, algo a mais além do próprio fato de impor-se pela existência. Sem “filosofismos” é a busca pelo sobreviver vista pelo sobrevivente, mas cheias de mistérios e segredos a serem desvendados para o olhar alimentado também por vida.

E com o próprio tempo o aguaceiro dá uma amenizada, a rede elétrica é reparada e há o retorno das máquinas. A mente desperta do êxtase enevoado da lacuna momentânea da rotina, que volta imperativa a bradar a retomada das sequências diárias. Lâmpadas acessas, vozes mais firmes, concentração das mentes, corpos reagentes. A noite aproxima-se e impõem-se em ritmo alucinante.

Pelos tempos, temperos e temperamentos, Agradeço à chuva, solto lamúrias pelo abafado, como dois gostos diversos. Confiro o momento, saboreio os enredos. Misturo, acasalo e traduzo tudo em vespertinas palavras.

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