Creio que não exista entre nós, pelo menos como imagino. Pode haver um arremedo de arquivo como as universidades e algumas instituiçõ...

Um arquivo para os nossos bibliófilos

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Creio que não exista entre nós, pelo menos como imagino. Pode haver um arremedo de arquivo como as universidades e algumas instituições culturais, mas não um órgão (ou uma entidade) criado com esse fim específico: o de guardar e preservar o acervo bibliográfico dos intelectuais paraibanos, escritores ou não. Ou seja, aqueles e aquelas que colecionaram livros ao longo da vida e terminaram por formar verdadeiras bibliotecas particulares, muitas das quais contendo preciosidades dignas de museu. Em outras unidades da federação brasileira existem instituições assim,
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B. Yurtkuran
principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, — e ainda bem. Pois se não fossem elas, como ficariam os pesquisadores, os biógrafos e os estudantes?

Aqui existe o arquivo oficial dos ex-governadores paraibanos, criado, se não me engano, por iniciativa de Tarcísio Burity e originalmente instalado pela competência e os cuidados dessa simpática aristocrata pernambucana sabiamente adotada pela Paraíba: Ana Isabel Souza Leão. É algo importante, que muito contribui para o estudo de nossa história política e de nossos dirigentes. Por ser oficial, imagino que não devem faltar recursos financeiros para a manutenção e funcionamento do arquivo, o que é ótimo. Se os governantes não cuidarem de sua própria posteridade, quem o fará? Mas seria importante — e muito — também termos um arquivo semelhante para os nossos intelectuais, principalmente os escritores, uma gente que costuma colecionar livros e documentos valiosos, os quais geralmente são perdidos, na dispersão dos inventários e no anonimato dos sebos, após a morte de seus amorosos donos.

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S. Kondratiev
No Rio de Janeiro há um arquivo desse que é exemplar. Refiro-me à Fundação Casa de Rui Barbosa, que funciona na Rua São Clemente, em Botafogo, exatamente, como o nome sugere, na antiga residência do político e jurista baiano. Lá estão, no todo ou em parte, por exemplo, os acervos bibliográficos de Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Pedro Nava, Fernando Sabino, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Moraes, entre outros. E segundo informa o escritor e diplomata Ary Quintella, está lá o manuscrito de Menino de Engenho, de José Lins do Rego, doado pelo bibliófilo Plínio Doyle, mesmo que o acervo completo do paraibano não esteja lá. E esse arquivo da FCRB continua a receber acervos, a crescer e a prestar valiosos serviços à cultura nacional.

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Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro-RJ. ▪ Foto: D. Barbutti, via Wikimedia
Uma pergunta se impõe: por que não termos aqui em João Pessoa algo semelhante? O desafio fica lançado aos governantes e às instituições públicas e privadas. Dá voto? Provavelmente não. Mas assegura posteridade. Dá dinheiro? Provavelmente não. Mas dá prestígio. Que os interessados reflitam sobre a questão.

Alguém me contou que o herdeiro do professor e historiador Humberto Nóbrega, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba e membro da APL e do IHGP, penou para achar um lugar adequado que aceitasse receber e cuidar da valiosa biblioteca do ilustre paraibano. Na UFPB, foi uma decepção, vejam só. A rica coleção de livros, documentos e fotografias
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Humberto Nóbrega (1912 —1988), médico e historiador paraibano. ▪ Fonte: UFPB
teria terminado sob a guarda do UNIPÊ, mas esta instituição, sabe-se, foi vendida para um grupo empresarial de fora, de modo que não sei se o acervo continua lá. Por aí se vê como o problema é complexo – e relevante para a cultura local.

A propósito, também é o caso de se indagar o que foi feito da biblioteca de um Flóscolo da Nóbrega, que cheguei a ver em belas estantes, em sua casa da Princesa Isabel, de um Ascendino Leite, de um Juarez da Gama Batista, de um Virgínius da Gama e Melo, de um Milton Paiva, de um Ivan Bichara e de um Vanildo Brito. As de Tarcísio Burity e Joacil de Brito Pereira, suponho que estejam preservadas com as respectivas famílias. E a biblioteca de milhares de volumes de Hildeberto Barbosa Filho para onde irá no futuro? E a biblioteca da professora Elizabeth Marinheiro? São perguntas que interessam aos que se interessam pela Paraíba. E principalmente: são perguntas que pedem respostas dos dirigentes políticos e culturais paraibanos.

A Academia Paraibana de Letras, por exemplo, poderia tomar para si essa responsabilidade que tem tudo a ver com suas finalidades institucionais, mas para isso precisaria receber do governo estadual ou municipal recursos compatíveis para tal.
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Yelena
Por si mesma, coitada, mal tem para se manter pobremente. A UFPB também, se houver a compreensão da relevância da missão, pois nela, supõe-se, recursos existem – ou pelo menos a perspectiva de recursos.

Manter uma biblioteca custa dinheiro e requer espaço. As viúvas geralmente não dispõem nem de um nem de outro, sem falar na simples falta de vontade que acomete muitas. Alguns as consideram as piores inimigas das bibliotecas privadas, depois das traças, claro. Mas isso nem sempre é justo para com algumas delas, convenhamos. Os sebos é que lucram com a dispersão dos grandes acervos bibliográficos, enquanto a sociedade como um todo sai perdendo. O livreiro e editor José Olympio iniciou sua célebre Casa a partir da imensa biblioteca de Alfredo Pujol, que ele comprou. Neste caso, o prejuízo social não foi tanto, mas ainda assim houve dispersão e perda.

Fica aqui a ideia. É a minha modesta contribuição. São as raízes. Que outros venham com as asas, para lembrar a bela frase de José Américo, cuja livraria particular, a propósito, continua íntegra na casa onde viveu. Ainda bem.

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  1. - Contribuição modesta nada, amigo Gil. O que você propõe, com sua bela pena, é uma providência justa, necessária e urgente. Abraço forte. - Frutuoso.

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  2. Anônimo3/6/25 06:46

    Obrigado, Lúcia.

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  3. Anônimo3/6/25 06:47

    Obrigado, Frutuoso.

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  4. Anônimo4/6/25 06:16

    Obrigado, Leo.

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  5. Anônimo5/6/25 07:23

    Obrigado, Chico.

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