“Ah! E eu me chamo Gregório, que é um nome da época da gola rufo. Eu não escolhi esse nome. Eu nunca escolheria esse nome. Eu não escol...

O Céu da Boca, digo, da Língua!

“Ah! E eu me chamo Gregório, que é um nome da época da gola rufo. Eu não escolhi esse nome. Eu nunca escolheria esse nome. Eu não escolhi o nome de nada ao meu redor.”

Gregório Duvivier é genial. Escritor, humorista, stand-up, roteirista e ator. Fundador do canal Porta dos Fundos, hoje fala no Calma, Aí e no videocast Não Importa. Já fez sucesso no talk show Greg News, por onde acompanhávamos a política e os descalabros do governo anterior. Esperei muito pelo seu espetáculo O Céu da Língua. Finalmente, no último dia 18/09, tivemos a alegria de assistir e nos deleitar com esse texto/roteiro genial — com sua irmã Theodora nas projeções e cenário, o músico Pedro Aune no contrabaixo e a direção da também hilária Luciana Paes.

Gregório Duvivier megahits.fm
Erudito e anárquico, Gregório desconstrói e reconstrói a língua portuguesa e o nome das coisas:

“Celebra a língua portuguesa, explorando a poesia e o humor na presença cotidiana da linguagem... O espetáculo reflete sobre a língua como uma força criadora, a construção da identidade humana e a potência das palavras.”

Gregório, formado em Letras, aparece citando Camões, com gola gorgueira, e falando de sarna e de rainhas, escrachando logo com o reino. O reino da língua! Ironiza as teorias da linguagem e a reforma ortográfica — logo eu, que gosto demais do trema e de idéia com acento.

Gregório questiona a poesia: para que serve? Brinca com os diminutivos, com as palavras engraçadas, esquisitas, e passeia pelo “quadro negro” e pelas palavras tantas que soam, ressoam, gargalham, imitam, desconstrói, pesa, anima — e, com o seu corpo, ele baila e canta. Canta Caetano — Livro!

André Ricardo Aguiar
Assim como Gregório, sempre adorei sibilar as palavras. E as coisas. Sou fã da irreverência e da maestria do poeta André Ricardo Aguiar, que também nos brinda com suas tiradas e brincadeiras com as palavras nas redes sociais e microcontos. Eu me perguntava por que sossego parece tão sossegado. E, quando ficava repetindo muito uma palavra, ela virava outra, e mais outra. Gregório, mestre, faz isso por duas horas, sozinho no palco, num solilóquio/monólogo que rodopia por entre as letras, em uma Pedra do Reino lotada, que acompanhava atenta o seu ritmo em todas as suas anarquias com a língua.

Realça nossa língua com expressões hilárias — “batata da perna”, “pisar em ovos” — e destrincha cirurgicamente conceitos, palavras e seus significados, os grunhidos e a forma como podemos modificá-las a toda hora. Faz um levantamento das palavras (pro)paroxítonas e das que já morreram. E brinca. Brinca e brinca. Pois algumas palavras ressuscitaram, a exemplo de “irado”, que, de raiva, virou cool. “Entendo as palavras como pessoas vivas, que nascem, mudam de personalidade e morrem”, diz Gregório.

Luciana Paes
A diretora Luciana Paes fala que “a peça é o fluxo de pensamento do Gregório, mas encenado”. E que memória tem esse parceiro de Fábio Porchat e João Vicente — e outros do Porta dos Fundos!

Na entrevista concedida à psicanalista Vera Iaconelli (Isso Não É Uma Sessão de Análise), Gregório fala da casa artística em que viveu. Filho da cantora, compositora, escritora e violonista Olivia Byington (hoje casada com o diretor Daniel Filho) e do músico e artista plástico Edgar Duvivier, cresceu em uma casa de talentos, pais amorosos e acesso à arte e ao amor. Ele menciona os inúmeros diários da mãe, através dos quais pôde rever seus dias e sentimentos desde a mais tenra infância.

Gregório tem uma voz linda e aveludada, e dá gosto ouvi-lo falar da vida de pai — hoje é casado com a também atriz, escritora e apresentadora Giovanna Nader —, das filhas (Marieta e Celeste), da admiração pela mãe e pelo irmão João (que sofre de Síndrome de Apert e inspirou o livro escrito por Olivia, O Que É Que Ele Tem, Editora Objetiva, 2016). Lembro-me de quando se casou com a também escritora, atriz e diretora Clarice Falcão, em 2009. Admirava a sintonia dos dois. Clarice, filha da escritora Adriana Falcão (de quem amo Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento) e do diretor, roteirista e cineasta João Falcão. Entristeci-me quando se separaram, porque
Gregório Duvivier PUCRS
formavam um casal jovem, acima de tudo engraçado e questionador nos trabalhos do Porta. E é sempre triste assistir — ou viver — quando o amor acaba. Paulo Mendes Campos que o diga.

A peça tem um final estendido, propositalmente nos deixando ansiosos. Mas até o ponto final vem improvisado — ou não. Com uma performance de Trem das Onze, levou o teatro ao máximo dos risos. Assim como com um sketch sobre os nomes possíveis dos órgãos sexuais masculino e feminino. Ao descobrir “bilola” como um dos nomes possíveis daqui, fez os trejeitos de um pênis mole e desconcertante. Também brincou com expressões paraibanas — “Apoi!” — e com lugares como Bayeux, arrancando gargalhadas até dos mais conservadores.

Se ainda estivesse em sala de aula, levaria os podcasts de Gregório para instigar os alunos a recitarem Camões e Manoel Bandeira. Cantaríamos Livro, de Caetano, e, quem sabe, imaginaríamos que a língua pode ser um inferno. Mas, acima de tudo, um céu. Da boca, digo, da Língua!


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