Pela janela entreaberta vê-se o céu mudar. Da clareza do verão, passe-se a anuviada temporada das chuvas, o que chamam invernada. Dos tempos das árvores em nudez profunda cujas vestes foram removidas pelos ventos, que parecem fechar-se ao serem expostas, corre-se para mais adiante uma explosão de cores e cantos, uma algazarra de vida. A passagem visual é o reconhecer do relógio do tempo em efeito prático.
O estuário dos rios Sanhauá e Paraíba está morrendo! No feriado do carnaval de 2001, naveguei a região que compreende áreas dos municípios de João Pessoa, Bayeux, Santa Rita, Lucena e Cabedelo. E voltei revoltado. O que, afinal, andam ou andaram fazendo os governadores e prefeitos dessas cidades? Sem qualquer preocupação com a ecologia, não é exagero dizer que, ao longo do tempo, eles vêm perpetrando o que se poderia chamar de crime de lesa-humanidade!
Íntimo
Ondas guardadas,
não devolvem o gosto de sal
aos lábios despidos
de lembranças.
Deixados sós,
os lábios,
não se desviam do destino.
Mas o súbito tranco
da cancela dos dentes
intimida o deslizar da língua.
Fui palestrante num dos Seminários Internacionais Guimarães Rosa, na PUC Minas, e, a partir de então, comecei a receber e-mails assinados com codinomes tirados da portentosa galeria de personagens do escritor mineiro, tipo Quelemém, sié Marques, Manuelzão, Fulorêncio, Zé Bebelo ou Miguilim, com mensagens sempre marcadas por enorme entusiasmo pela obra rosiana. Aí um certo Augusto Matraga me tornou sócio da AAMCGR – Associação dos Amigos do Museu Casa de Guimarães Rosa, de Cordisburgo; uma tal de Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins me encomendou – e pagou – um artigo sobre a geografia do conto Sarapalha para a revista Sagarana de Cultura e Turismo; um esquivo Dr. Meigo de Lima – ciente de que eu estava de férias na UFPb – me mandou passagem de ida e volta para aquela área, e – lá – um guia, contratado por um Pacamã-de-Presas, me embarcou numa canoa do
Deixei de lado a minha aversão à histeria coletiva, sempre que surge um filme dado a polêmicas. Custo a vê-lo e, depois de assistir, sinto uma decepção profunda com tanta energia gasta em torno de nada. Pois bem, deixei de lado isto, que alguns podem chamar de preconceito, e fui ver o badalado filme Não olhe para cima (EUA, Adam McKay, 2021). Desta vez, não me decepcionei com o filme, achei-o, como entretenimento, razoável, histriônico, às vezes, mas sem a sustentação que muitos nas redes sociais desejaram lhe dar, querendo particularizá-lo, como se a película fosse uma alegoria específica do Brasil e não de um momento por que passa o mundo, hipnotizado pela força sedutora das banalidades midiáticas.
Não sei se a vida — ou a morte — de um beija-flor interessa a mais alguém além da família e dos amigos do pequeno voador, mas, supondo que haja interessados na luta desse guerreiro, vou contar o ocorrido.
Ele era bem pequeno e de uma coloração azul escura, rabo curto, nem parecia bonito. Encontrei-o à noite, quando cheguei ao sítio. Estava imóvel, frio
'O pássaro secreto', de Marília Arnaud, é o relato de uma crise. O romance se estrutura como uma parte propriamente narrativa, em que a personagem principal, Aglaia Negromonte, relata cronologicamente os fatos ligados à sua vida, e outra com características de um diário. Nessa última a personagem reflete sobre a sua experiência no lugar a que é conduzida por força das ocorrências que, em grande parte por culpa dela própria, lhe destruíram a sanidade. A bem urdida alternância entre os dois segmentos sugere-nos, desde o início, que desfecho lhe seria destinado.
O economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti foi recentemente eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada pelo acadêmico Tarcísio Padilha. É um acontecimento na vida cultural do país, face a categoria intelectual do novo imortal, autor de vários livros importantes e ex-professor na renomada universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Não faz muito tempo que conheço Américo — talvez uns dez anos. Casualmente, ele às vezes aparecia numa roda de amigos com quem costumava me encontrar na orla. Encontros extintos pelo advento da pandemia.
Modesto, mas sempre bem arrumadinho, roupa engomada, camisa ensacada, cinto apertado, sapatos lustrosos, nunca sem meias, cabelo bem penteado, voz baixa, discreto,
Questão de Estilo,
Mesmo assim... ando meio atrapalhada
mas continuo caminhando
ditaram-me alguns padrões
para encaixar meus sonhos
eles fugiram assustados
não gostaram desses planos
Falaram pra eu não usar
roupa curta no inverno
outra com nome de artista
disse pra eu não usar terno
assim eu fico confusa
o que usar nesse inferno?
"Desculpem, mas nem tudo precisa soar tão inteligente, espirituoso ou agradável. Às vezes, precisamos apenas ser capazes de dizer coisas uns para os outros. Precisamos ouvir". A fala do personagem Dr. Mindy, em "Não olhe para cima" (Don’t Look Up), resume bem o espírito do filme da Netflix e a discussão bizantina que se seguiu ao lançamento.
Madame Natasha é uma personagem criada pelo jornalista Elio Gaspari em sua coluna publicada na Folha de São Paulo e em vários outros jornais. Ela é uma Professora de Português, vigilante na aplicação do idioma e que concede bolsas de estudo para aqueles que se expressam de forma empolada e afetada para tentar dar a entender que são possuidores de conhecimentos inacessíveis aos pobres mortais.
Numa das edições desta semana, A União chama a atenção para o desamparo em que encontrou as nossas itacoatiaras. Quem as cavou, cavou fundo, já conhecendo ou desconfiando da natureza de quem as iria receber e cuidar delas.
Estão a perigo, como sempre estiveram, ainda que a ciência que cuida desses tesouros tenha evoluído, e muito, na forma de preservá-las.
Estive lá há um quarto de século, logo depois que a pedra fora visitada por expoentes da Sociedade de Arqueologia, aqui reunida, em 1993, por iniciativa das fundações Espaço Cultural e Casa de José Américo, então dirigidas por Sales Gaudêncio e pelo antropólogo José Elias Borges.
Por conta dessas visitas, ficou com a Paraíba, em poder das instituições oficiais com interesse no nosso acervo arqueológico, uma série de instruções do professor Manuel Gonzalez Morais, catedrático de Pré-história da Universidade de Cantábria, Espanha, e especialista em conservação de arte rupestre. Clamava urgência para se proteger as itacoatiaras que mais têm provocado indagações científicas, históricas e culturais no universo desses estudos.
O professor assustou-se com o processo de ruptura das bordas superiores do monumento, “por cima da face que recolhe a maioria das gravuras”. Sua descrição: “As rupturas parecem ser consequência de descamação prévia e podem ter sido originadas por fenômenos de contração e dilatação brusca, por efeito mecânico das pisadas”. Fala em perda da rocha, com faces e degraus fissurados na base, numa porção de agentes e de causas deteriorantes, e sugere remédios específicos e medidas gerais de proteção.
Faz esse tempo todo. Não sei se as sucessivas administrações, nos seus mais diversos planos, manifestaram alguma reação a esse alarme do espanhol.
Há quase oitenta anos, segundo o velho Leon Clerot, o conjunto de gravuras seria maior se não tivesse aparecido um grupo de trabalhadores e convertido boa parte em lajes de pavimentação, talvez coisa imaginada pelo velho do Museu, como o chamavam os que o viam pastorando as “relíquias” de uma casa solitária da velha Trincheiras, com esse nome.
O que acontecia com a Pedra de Ingá quebrada para a pavimentação não foi diferente do que fizeram, nesse mesmo tempo, com as primeiras inscrições rupestres encontradas ao pé da Copaoba, descritas e desenhadas por Ambrósio Fernandes Brandão (1555-1618) em sua obra “Diálogos das Grandezas do Brasil”. Livro escrito na Paraíba nas folgas desse senhor de engenhos, cristão novo, que José Honório Rodrigues não vacila em considerar autor da “crônica mais positiva, mais viva, mais exata da vida, da sociedade, da economia dos moradores do Brasil”, no final do século XVI e começo do XVII.
Diante disso, é difícil entender por que as entidades culturais ainda não se coligaram para reunir, num livro de especialistas dedicados à pré-história, à história e às artes da Paraíba, os estudos e imagens do seu grandioso e mal avaliado patrimônio.
“Não sabe a Paraíba o que tem.” Falou assim Mário de Andrade, quando aqui esteve, em 1928, ainda que saindo de cara inchada e todo encalombado pelas gordas muriçocas do hotel em que o hospedaram, o Luso-Brasileiro, do qual nada resta lá na Praça Álvaro Machado, no Varadouro.
E então uma tristeza nos acomete. Sem saber de onde ela vem e qual o seu porquê. Um vazio nos preenche de tal forma, como se nenhuma poesia pudesse corromper esse hóspede indesejável. O que nos falta? Para cada qual, uma resposta. Como diria Caetano: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Que ninguém nos diga que somos jovens demais para sofrer, para que os lutos nos esmoreçam.
O termômetro do ônibus marcava 44°, quando eu e um amigo professor de grego chegamos a Micenas. Havíamos saído às 08:00 horas de Atenas, com uma temperatura amena, para uma manhã de final de julho, numa viagem que deveria durar três dias, visitando alguns sítios arqueológicos importantes da Grécia: Epidauro, Micenas, Olímpia, Delfos.
O primeiro mérito a registrar em “Mosaicos”, livro de ensaios de Marcelo Mourão, é a faculdade que possui o autor de abordar temas algumas vezes complexos, intrincados, através de uma linguagem simples sem ser simplória, plenamente palatável, inclusive, para os que se iniciam nas lides literárias. Ou seja, Marcelo Mourão não é daqueles que turvam as águas para parecer profundo, procedimento mais ou menos usual, comum, entre os que escrevem dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Resumindo, Marcelo Mourão escreve didaticamente, mas sem pretensões professorais.