Aprendi, quando fazia curso de pintura, aos 15, 16 anos, que a diferença entre assistir a um filme e ver um quadro, uma foto, é que a câmera e a montagem nos levam ao que interessa numa narrativa, já uma boa pintura, uma grande escultura, um belo desenho, uma boa fotografia não prevalecem se não têm um caminho fluente para os olhos, atraídos por aquela única imagem desponível, quase sempre - como ensinava Cartier-Bresson - flagrando um momento pregnante, prenhe do que aconteceu e está para acontecer.
Veja o Guernica. O que Picasso pôs nessa representação única, imóvel, criada em 1937, pra causar tanta impressão, num mundo em que a imagem em movimento já se tornara absolutamente soberana? O caminho do olho.
Mural de Guernica (Rua Allende Salazar, Madrid - Espanha) Pablo Picasso
Papamanila
Papamanila
Detalhe de O rapto de Prosérpina (Galeria Borghese, Roma) Gian Lorenzo Bernini
Ele obriga não apenas seus olhos, mas você a se mover ao redor dela, a se aproximar e a recuar... para vê-la mais e melhor. Ninguém resiste, por exemplo, ante O Rapto de Prosérpina - maravilhoso mármore de Bernini - ao desejo de ver de todos os ângulos possíveis a obra que tem como ponto alto os efeitos da pressão dos dedos de Plutão na carne... “macia”... da jovem deusa.
Eisenstein, em Reflexões de um Cineasta, cita todo o trecho de um texto de Leonardo, em que o mestre italiano descreve um minucioso... roteiro... para um quadro sobre o Dilúvio (jamais realizado), onde são previstos flagrantes do céu terrível, da borrasca, do vento, das árvores arrancadas pelo vendaval e pelas enxurradas, prevê flagrantes das inundações, dos animais acuados pelas águas, dos homens e mulheres desesperados, dos gritos, das lutas mortais por espaço, das embarcações naufragando, etc, etc. Trata-se – diz o diretor do Couraçado Potemkin - de uma extraordinária folha de montagem, com a finalidade de determinar a trajetória do futuro movimento na superfície da tela.