Mesmo quando é o elogio fácil, nunca é fácil o elogio. O que procuro apresentar aqui é o elogio justo e honesto, digno do pesquisador e do escritor que Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins era, longe do encômio pelo encômio, que, costumeiramente, se faz aos que se vão. Muito triste com a sua partida, solidarizo-me com a dor da família enlutada, buscando conforto no fato de que Guilherme permanecerá, porque não só a Alma é imortal, mas também pela obra que ele deixou. Desse modo, ele estará em cada um de nós que com ele partilhou a amizade, a boa conversa, o gosto do conhecimento.
Guilherme D'Ávila Lins TJPB
A oportunidade de uma conversa cara a cara veio-me em um dos habituais sábados da Livraria do Luiz. Vi dois acadêmicos presentes ao lançamento que, então acontecia, e resolvi conversar com eles, sobre a minha candidatura. O primeiro mal olhou para mim e me tratou como se eu não existisse, embora eu tivesse deixado bem claro que não estava pedindo o comprometimento do seu voto, mas participando-lhe a minha já efetivada candidatura. Aproximei-me, com certo receio, do segundo, que era Guilherme. Começamos a conversar e, com meia hora, parecíamos velhos amigos. A sintonia foi imediata.
Guilherme D'Ávila Lins @tv.assembleia
O fato é que mantivemos permanente contato, principalmente por telefone. A genialidade de Guilherme me encantava, o seu humor, muitas vezes cortante e irônico, sintonizava com o meu, a conversa agradável sobre literatura e história nos unia e perdíamos a noção do tempo, conversando sobre as manifestações culturais do período colonial, seja da parte da Literatura, seja da História.
Não li toda a sua obra, volumosa e substancial, mas do que li assoma a seriedade na investigação do tema, seriedade própria de quem sabe não só o que está fazendo, mas sabe como e por que está fazendo.
O seu livro sobre a primeira rua da cidade (A primeira rua da capital paraibana: uma contribuição para a história do alvorecer da Capitania da Paraíba, João Pessoa: Edições Fotograf, 2007), não foge à polêmica, quase sempre inflamada, quando se trata de nossas origens, mas vai além dela, com uma argumentação bem fundamentada, mostrando que a diferença entre rua e caminho consiste, sobretudo, na consciência de um projeto urbanístico que daria, a partir da Rua Nova, atual General Osório, a capilaridade das artérias, que cortam o centro histórico de nossa cidade. Guilherme traça, ainda, um roteiro sedutor, principalmente, para aqueles que, como eu, nasceram nesta bela e aprazível cidade de Nossa Senhora das Neves, rara oportunidade de itinerário a ser seguido, dando ao transeunte o prazer de poder usufruir a história viva, a partir de sua didática orientação geográfica, interessando a historiadores, àqueles que se inclinam à apreciação da história, mesmo que não sejam da área, e aos que se deleitam com a apreciação de um método argumentativo, decisivo para a construção do saber.
Antiga Rua Direita (J. Pessoa) @petronio.souto
Outra obra essencial é Uma contribuição para os primórdios da História dos Beneditinos na Paraíba (João Pessoa, MVC Editora, 2019), que é muito mais do que uma contribuição, conforme se encontra no título.
Por fim, para não nos alongarmos, Guilherme nos brinda com a obra de referência Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo tipógrafo Jorge Rodrigues entre 1598 e 1642 (Editora da UFPE, 2009), de onde saiu “uma obra de extrema raridade e de inestimável valor para a História da Paraíba e do Brasil durante o período holandês” (p. 25), para a qual ele preparava uma reedição, acompanhada do devido aparato crítico. Diga-se, a título de esclarecimento, que este livro, como toda a bibliografia citada por Guilherme, não era apenas um rol de livros lidos e consultados, tratava-se, no fundo, de uma bibliografia crítica, comentada por quem a conhecia em profundidade.
Diante do que pude privar da breve amizade com Guilherme, que me parecia antiga, resta-me a certeza de que ele permanecerá. O período de luto a que todos nos obrigamos passará restando a saudade do convívio, da fala franca, da genialidade, do humor, dos gestos largos e das boas risadas.
Guilherme permanecerá, sobretudo, na imortalidade viva das suas ideias, e o que escreveu permanecerá “batendo nas perpétuas grades” do conhecimento.
Requiesce, amice, in pace.
CRM