Mesmo quando é o elogio fácil, nunca é fácil o elogio. O que procuro apresentar aqui é o elogio justo e honesto, digno do pesquisad...

Guilherme permanecerá

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Mesmo quando é o elogio fácil, nunca é fácil o elogio. O que procuro apresentar aqui é o elogio justo e honesto, digno do pesquisador e do escritor que Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins era, longe do encômio pelo encômio, que, costumeiramente, se faz aos que se vão. Muito triste com a sua partida, solidarizo-me com a dor da família enlutada, buscando conforto no fato de que Guilherme permanecerá, porque não só a Alma é imortal, mas também pela obra que ele deixou. Desse modo, ele estará em cada um de nós que com ele partilhou a amizade, a boa conversa, o gosto do conhecimento.

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Guilherme D'Ávila Lins TJPB
Quando me candidatei à Academia Paraibana de Letras, de todos os seus integrantes Guilherme era o que me inspirava um certo receio, obrigando-me a ser ainda mais reservado do que sou. Sua aparente sisudez não me animava a telefonar para ele a fim de participar que estava candidato, na vaga aberta com a partida de Antônio de Souza Sobrinho. Já não gosto de telefone, preferindo as conversas cara a cara, porque as incompreensões, que ainda persistirem, serão menores. Guilherme, ainda que involuntariamente, contribuía para que eu ficasse distante dos contatos telefônicos.

A oportunidade de uma conversa cara a cara veio-me em um dos habituais sábados da Livraria do Luiz. Vi dois acadêmicos presentes ao lançamento que, então acontecia, e resolvi conversar com eles, sobre a minha candidatura. O primeiro mal olhou para mim e me tratou como se eu não existisse, embora eu tivesse deixado bem claro que não estava pedindo o comprometimento do seu voto, mas participando-lhe a minha já efetivada candidatura. Aproximei-me, com certo receio, do segundo, que era Guilherme. Começamos a conversar e, com meia hora, parecíamos velhos amigos. A sintonia foi imediata.

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Guilherme D'Ávila Lins @tv.assembleia
No dia da eleição, boa parte da manhã transcorreu em conversa com Guilherme, sempre preocupado com o quorum. Após a eleição e a posse, não deixamos de conversar por telefone, nos encontros na APL ou num almoço que se estendeu até bem próximo do jantar, com a promessa de outros semelhantes, que não pudemos ter, por causa da pandemia e problemas de ordem pessoal.

O fato é que mantivemos permanente contato, principalmente por telefone. A genialidade de Guilherme me encantava, o seu humor, muitas vezes cortante e irônico, sintonizava com o meu, a conversa agradável sobre literatura e história nos unia e perdíamos a noção do tempo, conversando sobre as manifestações culturais do período colonial, seja da parte da Literatura, seja da História.

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Na sua generosidade, Guilherme me presenteou com vários de seus livros, em cujos textos, desde as primeiras leituras, encontrei o rigor e a seriedade do pesquisador, que sabia unir o latim, cujo desaparecimento do currículo escolar achava um absurdo, à filologia; partia da paleografia à edótica, sempre em busca da exatidão da informação e da construção do conhecimento que deve retornar ao público.

Não li toda a sua obra, volumosa e substancial, mas do que li assoma a seriedade na investigação do tema, seriedade própria de quem sabe não só o que está fazendo, mas sabe como e por que está fazendo.

O seu livro sobre a primeira rua da cidade (A primeira rua da capital paraibana: uma contribuição para a história do alvorecer da Capitania da Paraíba, João Pessoa: Edições Fotograf, 2007), não foge à polêmica, quase sempre inflamada, quando se trata de nossas origens, mas vai além dela, com uma argumentação bem fundamentada, mostrando que a diferença entre rua e caminho consiste, sobretudo, na consciência de um projeto urbanístico que daria, a partir da Rua Nova, atual General Osório, a capilaridade das artérias, que cortam o centro histórico de nossa cidade. Guilherme traça, ainda, um roteiro sedutor, principalmente, para aqueles que, como eu, nasceram nesta bela e aprazível cidade de Nossa Senhora das Neves, rara oportunidade de itinerário a ser seguido, dando ao transeunte o prazer de poder usufruir a história viva, a partir de sua didática orientação geográfica, interessando a historiadores, àqueles que se inclinam à apreciação da história, mesmo que não sejam da área, e aos que se deleitam com a apreciação de um método argumentativo, decisivo para a construção do saber.

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Antiga Rua Direita (J. Pessoa) @petronio.souto
O historiador também se debruça sobre a obra de Pero Magalhães de Gândavo (Pero de Magalhães de Gândavo, autor da primeira obra sobre a ortografia da língua portuguesa e da primeira história do Brasil, Editora Universitária da UFPE, 2009), desfazendo as confusões em torno de seu nome – Gandavo ou Gândavo? – e revelando a quem só o conhecia como o primeiro de nossos historiadores, um estudioso do idioma, com livro sobre a ortografia da língua, ainda compreensivamente etimológica para a época, dada a proximidade com a língua latina.

Outra obra essencial é Uma contribuição para os primórdios da História dos Beneditinos na Paraíba (João Pessoa, MVC Editora, 2019), que é muito mais do que uma contribuição, conforme se encontra no título.
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Trata-se de obra fundamentada em sólida documentação, que requer do pesquisador um trabalho árduo, tendo, inclusive, que recorrer “ao penoso labor da leitura paleográfica”, (p. 54), de modo a organizar os dados e transformá-los em informação. Trabalho mais árduo ainda, quando vemos que o autor se desdobra na pesquisa, abrindo duas veredas permitidas pela documentação existente: a da construção do Mosteiro e a da aquisição de bens materiais da ordem, na Paraíba.

Por fim, para não nos alongarmos, Guilherme nos brinda com a obra de referência Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo tipógrafo Jorge Rodrigues entre 1598 e 1642 (Editora da UFPE, 2009), de onde saiu “uma obra de extrema raridade e de inestimável valor para a História da Paraíba e do Brasil durante o período holandês” (p. 25), para a qual ele preparava uma reedição, acompanhada do devido aparato crítico. Diga-se, a título de esclarecimento, que este livro, como toda a bibliografia citada por Guilherme, não era apenas um rol de livros lidos e consultados, tratava-se, no fundo, de uma bibliografia crítica, comentada por quem a conhecia em profundidade.

Diante do que pude privar da breve amizade com Guilherme, que me parecia antiga, resta-me a certeza de que ele permanecerá. O período de luto a que todos nos obrigamos passará restando a saudade do convívio, da fala franca, da genialidade, do humor, dos gestos largos e das boas risadas.

Guilherme permanecerá, sobretudo, na imortalidade viva das suas ideias, e o que escreveu permanecerá “batendo nas perpétuas grades” do conhecimento.

Requiesce, amice, in pace.

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CRM


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  1. Parabéns Milton. Guilherme, médico, professor emérito da UFPB, era um apaixonado pela história. Foi, por mais de 50 anos, um incansável e rigoroso pesquisador da nossa história colonial e deixou uma contribuição inestimável para a historiografia paraibana.
    Foi através do seu incentivo que eu comecei a escrever textos de história. Foi o Mestre de quem eu sempre me valia para esclarecer alguma dúvida. Um amigo que vai me fazer muita falta

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  2. Ângela Bezerra de Castro4/9/23 12:50

    Isso, Mil. Um texto com a dimensão de Guilherme, com a afinidade da alma que os aproximou como velhos amigos, um prêmio, coisa rara e preciosa.

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  3. Anônimo4/9/23 20:42

    Parabéns, Milton! Belíssimo texto!

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  4. Anônimo4/9/23 22:21

    Mestre Milton: no Reino do Encantamento, Guilherme aplaudirá seu belo texto. Uma justa homenagem ao grande intelectual paraibano que nós deixou.

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  5. Thélio Farias4/9/23 22:22

    Mestre Milton: no Reino do Encantamento, Guilherme aplaudirá seu belo texto. Uma justa homenagem ao grande intelectual paraibano que nós deixou. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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