O Tema da redação do Enem 2023- 'Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil'- me deu uma esperança de que existe luz no fim do túnel. Digo, para a vida das mulheres. Ou pelo menos, me deu alegria de ver os jovens de todos os gêneros, classes e credos a pensar e escrever sobre o assunto. E senti o impacto ao meu redor, quando vi pais discutindo o tema com os filhos.
Já há décadas escrevo sobre o assunto; crônicas e conversas sobre a vida de exaustão das mulheres e mais: maternidade x criação artística; carga mental;
Desde os tempos com a minha mãe, passei a vida ouvindo-a reclamar do cansaço, mas ao mesmo tempo, como as da sua geração, e o sentimento paradoxal, não deixava ninguém “roubar o seu protagonismo” na cozinha. O meu pai? Um homem bom. Guardo no meu coração o seu caráter e grandeza. Mas, ausente. Trabalhava para o sustento. Um filósofo dublê de comerciante, não combinava com vendas e agressividade na área. E tinha as suas fraquezas. Olhava-nos com carinho. Gostava de conversar na rede conosco. À minha mãe era exigido que cuidasse, economizasse, costurasse, ninasse, brincasse, cantasse e, ainda fosse esposa dedicada e amorosa. A conta não fechava. Ela com as suas querências submersas, mas só com as filhas crescidas, e que, até mesmo antes da viuvez, foi possível dar asas um pouco, aos seus anseios mais subjetivos – viver a vida cultural da cidade, ir ao cinema ou caminhar na praia, como tanto gostava.
Mãe e filhoGustav Klint
Na Revista Marie Claire de novembro, leio uma entrevista pontual e certeira da psicanalista que admiro e sigo, Vera Iaconelli, que acaba de lançar um livro interessante e imprescindível: Manifesto Antimaternalista: Psicanálise e Políticas de Reprodução (Ed Zahar), em que questiona o modelo atual de maternidade e discute esse assunto espinhoso de sermos mulheres num mundo essencialmente patriarcal. E ela afirma: “É uma ideologia que serve ao capitalismo, uma vez que cria essa equação na qual a permanência das próximas gerações fica sob inteira responsabilidade do trabalho invisibilizado das mulheres, o trabalho do cuidado.”
Pablo Picasso
Quanto às angústias modernas, Vera fala que a saída é: “abraçar a vida, ter direito ao sofrimento, viver a alegria, o prazer, o sexo. Diria algumas. Cada um/uma completa a lista como bem quiser.
Pelo visto, seja no Enem, nas revistas, ou dentro de casa, ainda há de vir um tempo tempo, para que tenhamos tempo, para sermos felizes sendo mães e termos espaço e tempo fora dessa equação tão naturalizada como sendo só das mulheres.