Um vento forte, em lufada de segundos, sacudiu a rede que armei na varanda para o cochilo vespertino, costumeiro, justo e merecido. O susto que tive agravou-se com o baque de dois varões metálicos. Dias antes, quando ainda não haviam sido trocados por trilhos mais modernos, sustinham a cortina da sala. Mas, agora, esquecidos, verticalmente, num cantinho de parede, foram ao chão com um barulho dos diabos.
Chaim Soutine, 1923
Tudo aconteceu, assim, num átimo, sob um céu azul, sem nuvens, no meio de uma tarde morna e sem vento, a não ser aquele soprado, repentinamente, com força assombrosa, não sei de onde nem por qual razão. Decidi ficar atento ao noticiário. Se aquilo bateu daquele jeito na minha varanda, pode ter danificado alguma coisa à beira-mar, dez quarteirões mais à frente, área de onde a ventania corre sem a barreira dos edifícios que me atrapalham a visão das auroras e do nascer da lua.
Sozinho, em decorrência de viagem da mulher e do filho para visita aos parentes do Rio Grande do Norte, não pude trocar impressões acerca do ocorrido, tão subitamente. Também não retomei o sono, pois o vento o levou.
Jean Corot, S.XIX
Temo as reações da Natureza aos malfeitos da humanidade. Quando menino, morador de beira de rio, angustiava-me a ideia do arrombamento de Boqueirão, a represa que até hoje segura as águas do Paraíba. Dista 140 quilômetros da pequena Pilar, onde eu e os meus vivíamos.
Claude Lorrain, 1638
Com o paredão resistente há 67 invernos, desde que foi inaugurado no município do qual tomou o nome pelo qual é mais conhecido, Boqueirão (na verdade, Açude Epitácio Pessoa) não impediu, em 1985, que as águas do Paraíba levassem a ponte de Pilar, metade da cidade de Cruz do Espírito Santo e os canaviais de Santa Rita, com prejuízos enormes para uma economia que se afoga até em tempos secos.
Ocorre-me, agora, que a delação do amigo Coruja livrou o menino José Lins do deboche de um colégio inteiro. Ele havia dito que podia atravessar aquela correnteza a nado, em Itabaiana, local dos seus estudos primários, porque assim o fazia em Pilar, onde o rio seria muito mais largo. Mentia duas vezes: o Paraíba faz-se mais estreito nas terras do Corredor, o engenho então pertencente a seu avô materno. Além disso, aquele pirralho fugia das enchentes como o diabo da cruz. De todo modo, a palmatória do Professor Maciel – a cujo conhecimento por sorte chegara a história desse desafio – o livrou da desonra. Isso e, ainda, a proibição aos banhos dos sábados, com o restante da turma.
Joaquín Sorolla, 1904
Pois bem, Chiquinho pôs a carta e a roupa num saco plástico, amarrou tudo ao pescoço, entrou nas águas revoltas e ressurgiu na outra margem quando todos o supunham morto.
Dizia eu dos meus temores às reações da Natureza. Isso pode incluir tanto a estiagem inclemente quanto as enchentes absurdas do Paraíba e outros rios. Também, assim, o aguaceiro que hoje invade cidades e fazendas de um Rio Grande do Sul em penoso estado de calamidade pública. Nessa escala e com essas repetições, as catástrofes resultam da degradação do planeta, a crer-se no ramo da ciência que estuda o assunto.
Eis, então, o custo doloroso do desmatamento amplo e generalizado, do incontido assoreamento de leitos e do aquecimento global agravado pela poluição atmosférica. Desgraçadamente, os riscos de danos insanáveis, perdas materiais e humanas são agudizados, ainda, pela imprevidência administrativa que desmerece as previsões e os planos de prevenção de tantas e tantas tragédias.
Charles Sims, 1900