Antônio da Rocha Barreto, um dos fundadores da Academia Paraibana de Letras, foi autor de um livrinho só. Foi essencialmente jornalista, já aparecendo em 1930, quando a onda revolucionária fechou O Norte, ele como o chefe de redação. Chefe no dia em que contava com outros companheiros, e chefe dele próprio quando tinha de abrir e fechar o jornal sem outra ajuda. Era o jornal de Orris e Oscar Soares, Orris escritor, prefaciador consagrado da 2ª edição do EU, dramaturgo e autor de dicionário de filosofia editado até o 3º volume pelo INL/MEC.
Orris Soares, autor de Dicionário de Filosofia CC0 (1938)
Rocha Barreto vinha desse meio e de lida suada e temerosa, mas fazendo espírito de tudo. Alcancei-o na disponibilidade, aposentado dos Correios e Telégrafos e enchendo o tempo e o dos seus iguais sempre com um modo jocoso de explorar os fatos e os circunstantes. Vestia bem, sentava-se como um patriarca, atraindo sempre a atenção e a graça dos que o rodeavam, ora na API, ora na redação ressuscitada de O Norte para a campanha a governador do ministro José Américo.
Antiga sede do Correio Geral (''Praça do Erário'', J. Pessoa-PB) IBGE
Atraído pelo contraste de seu humor com a solenidade do jaquetão getulista que vestia na diária , eu pouco sabia do seu texto. Não devia ser de um jornalismo diferente do clichê que encontrei nos jornais da iniciação. Mas a figura em si do velho Rocha me impressionava. Geraldo Sobral, meu mentor mais direto, achava-o curioso como figura humana e burocrático como jornalista. E quanto ao escritor de um livreto sobre a história dos Correios e Telégrafos na Paraíba, nem falar.
Mas é nesse livreto fisgado ao acaso na seção paraibana da biblioteca da nossa Academia, entre decretos e folhetos do tempo do Império, que me vejo submerso num instante dostoievskiano ou relendo A Peste de Camus sem a magia romanesca de nenhum deles.
É quando o velho jornalista de texto burocrático, sem linguagem de narrador, na linguagem seca de jornalista, escreve ou descreve a viagem de um estafeta de meia idade, no tempo das febres, que sai da sede dos Correios da capital para levar a Campina Grande os malotes de cartas e encomendas. Um dia de viagem, entrando pela
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noite, tropeiro e burro acostumados ao enfado e a solidão dos caminhos. Mas eis que a febre o surpreende no meio da viagem, estrada e mais estrada, as casas que encontra não tendo a oferecer mais que o copo d'água. Um chá no povoado do Riachão, já sem esperança de chegar à cidade do coronel Lauritzen. “Fique pra dormir”. Não podia atrasar. Conhecia o republicano Irineu Joffily, advogado do povo, mas já exilado no Rio. A quem recorrer? Havia de aparecer alguém, algum posto, uma casa de misericórdia. Mas chegou como se perdesse a viagem. Já sem ver, sem saber aonde. A febre malsã fechando o céu e todas as portas da sua esperança. E amanhece morto ao lado da montaria, debaixo de uma árvore da rua, o vestígio nauseante de suor no rosto esverdeado.
Pena que não disponha mais do livrinho para reproduzir a prosa burocrática do fundador da cadeira 9 da Academia. Como pode (?!) quatro linhas de um montão de livros e folhetos velhos escaparem da prateleira mais relegada para vir abrir uma dor nova quase cem anos depois?!