Fui ver Pollock no MAM do Rio de Janeiro em uma exposição temporária. Havia dois quadros dele em uma sala só para ele. O pintor usara...

Sobre o pintor expressionista Ernest Ludwig Kirchner

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Fui ver Pollock no MAM do Rio de Janeiro em uma exposição temporária. Havia dois quadros dele em uma sala só para ele. O pintor usara o próprio corpo, como instrumento para realizar composições abstratas num emaranhado de cores fortes. O segundo quadro era em tons monocromáticos entre um cinza forte e um matiz desmaiado em uma tela imensa. Ele é um dos grandes expressionistas abstratos da América. No momento em que surgiu o expressionismo na Alemanha, o país era assombrado pela ameaça da guerra. Os pintores usaram as
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Quadro Nº 16, pintura de Jackson Pollock (1912—1956), doada pelo magnata norte-americano Nelson Rockefeller ao MAM/Rio, em 1952.
cores vivas e a intensidade expressiva para criar uma projeção da subjetividade, com intenção de inspirar no espectador uma reação emocional. O movimento ganhou força e se desenvolveu em muitos outros países.

Ao passar para a segunda sala me deparo com uma tela de Kirchner: Três nus na floresta. Que emoção, não esperava esse encontro. Descobrira esse pintor tempos atrás em uma pequena galeria na rue de Seine em Paris. Havia apenas um óleo do pintor e algumas xilogravuras. Sentira um forte impacto com a sua expressão artística, e a partir daí eu o buscava, queria conhecer mais o pintor, porém não obtive muito êxito, não é fácil encontrar nem mesmo suas reproduções. O crítico de arte, Lucius Grisebach organizou um belo exemplar publicado pela editora Taschen que hoje tenho comigo: Kirchner, editado e produzido em Colônia (Alemanha), impresso na Itália, 1996 Conteúdo: Os primeiros anos, as ruas de Berlim, os anos críticos, a experiência alpina, autoexame e estilo, cronologia, e por fim uma bibliografia e muitas das suas pinturas. Nunca mais vira uma tela sua. Ele é raro mesmo em exposições coletivas. Seria preciso ir à Berlim, ou Dresden para ter acesso a um maior número da sua pintura. O MoMA em Nova York possui duas de suas telas: Rua em Dresden e Rua em Berlim.

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DIR: Rua em Berlim (1913); ESQ: Rua em Dresden (1908), pinturas de Ernest Ludwig Kirchner, incorporadas ao acervo do Museu de Arte Moderna (MoMA), NY, EUA.
A tela Três nus na floresta, estava em uma sala acompanhada de Anita Malfatti e de Goeldi, mestre da gravura do expressionismo, seu célebre guarda-chuva vermelho fazia parte do conjunto. Gosto mais do expressionismo do que do impressionismo. Apesar deste ter revolucionado a arte ao se insurgir contra as normas da academia, passando a pintar impressões da realidade em áreas externas, saindo do ateliê, desprezando a cópia dos antigos e as técnicas clássicas, hoje ela me parece uma arte “bem comportada”, de uma beleza clássica dentro das normas.

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Três nus na floresta (Drei Akte im Wald) ▪ Kirchner, 1934-35 ▪ Wilhelm-Hack-Museum
O expressionismo cuidou mais do conteúdo que da forma, usando cores vivas, e mesmo inusitadas, que não correspondiam à natureza do objeto. Os expressionistas não procuraram representar o mundo tal qual, mas expressar estados de espírito e sentimentos, apresentando formas exacerbadas e deformadas. Suas linhas nítidas, pinceladas exageradas, distorções das formas e composições em desequilíbrio deram lugar a uma estética que causou grande impacto na arte moderna e inspirou muitos outros gêneros. Os principais atores desse movimento foram: Edvard Munch, Kirchner, Kandinsky, Frans Marc, Egon Schiele.

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Ernst Ludwig Kirchner (06.05.1880 — 15.06.1938), pintor expressionista alemão.
A pintura de Kirchner é intimista possui um espesso traço no contorno de suas figuras, usa cores inusitadas e por vezes lembra um Matisse. Ele me passa uma intensidade amorosa, como se quisesse nos revelar a essência da emoção, do intangível.

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Arte Ernst Ludwig Kirchner
Em casa, abro o livro: L'expressionnisme, une Revolution artistique allemande, organizado pelo historiador de arte, Dietmar Elger, dedicado aos integrantes do movimento. Examino a obra de Kirchner, figura central do grupo Die Brucke (A ponte). (1905-1913) Sua pintura é feita de traços ágeis, o nu é o assunto dominante de seus quadros. Sua busca da experiência subjetiva, reflete figuras num fluir inesgotável de humanidade, sopro vital, numa presença incontornável do homem e da mulher.

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Arte Ernst Ludwig Kirchner

Kirchner também pintou os Alpes, os cafés das cidades e a tensão da instabilidade política da época. Porém o assunto central foi quase sempre o corpo dos amantes, a mulher e o homem. Teve como tema frequente as ruas de Dresden, tendo em suas paisagens citadinas o personagem humano em primeiro plano. Quando se muda para Berlim seu estilo sofre transformações. “Na metrópole o ser humano é visto de outra forma pelo pintor. São as berlinenses que surgem com uma força central na sua composição pictórica: elas são vistas como personagens dominantes, elegantes encarnando um tipo citadino com atitudes seguras”, escreve um crítico sobre a arte de Kirchner.

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Arte Ernst Ludwig Kirchner
Seus seres são de cores acobreadas, ferrugem cor de fogo, bege ou vermelho forte. Tudo é muito sóbrio. Na página 39 do livro Kirchner organizado por Lucius Grisebach, a tela Casal nu em um sofá data de 1909. Diante dessa imagem, observo a silhueta dos corpos dos amantes sobre um fundo negro, para realçá-los o pintor preencheu os contornos com a cor castanha. A mulher está deitada no canto inferior da tela, de frente para o homem que se encontra sentado no lado superior. Ele presta atenção à mulher. Ela tem um braço cruzado sobre o seio esquerdo, a mão chegando perto do queixo. Ele tem o braço apoiado sobre o joelho, a mão na cabeça. Eles conversam.
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Casal nu em um sofá, Kirchner, 1909 ▪ Staatsgalerie Stuttgart
Tem-se a impressão de que é ela que fala. Quem observa percebe a intensidade do momento. O ar é rarefeito. A expressão do homem e da mulher assemelha-se àquela dos seres de Edvard Munch: a mesma angústia do pintor norueguês. Há uma indagação em seus gestos. As figuras estão fixas no papel diante de mim. Fixas, mas não estáticas. Elas me enviam uma onda perturbadora, e, se conectam comigo. Dialogo com eles sobre a impossibilidade do amor. Eles estão grávidos de sentido.

Pergunto-me, se nossa realidade mais íntima estaria fora de nós mesmos. Seria deles a perturbação? Ou seria minha, e eles é que me mostram? A figura de um homem e uma mulher, isolados na página de um livro, me passa uma rede de sensações que os encerram e os fazem se comunicar. Saio do meu exílio e me reconcilio com eles.

Viro a capa do livro, observo a foto de Kirchner. Minha vontade era a de viajar até 1909, data em que pintou essa tela, para encontrar o artista. Distante no tempo e no espaço ele me lança seu feitiço.

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  1. Um texto excelente, Lúcia. Eu não conhecia esse pintor, mas você soube apresentá-lo magnificamente. Bravo! Francisco Gil Messias.

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  2. Germano vc sempre me encanta! Que primor de publicação. Grata por tudo.

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