Há muito tempo não uso relógio. E fui daqueles que tinha relógios coloridos que mudava de pulseira como quem muda de horas.
Depois, vi que o tempo está dentro de nós. Assim como o sol que viola a janela de meu quarto nessa manhã virótica.
Às vezes, acho que meu relógio do tempo está sempre sendo reiniciado do zero. Como em um filme a que assisti (já faz tempo) e não lembro o nome.
Sara Groblechner
Mas não reclamo. É como se nunca tivesse deixado de ser o zumbi de lá atrás.
Outro dia coloquei aqui um poema de Cassiano Ricardo sobre o relógio, poema este que gosto muito:
O Relógio Diante de coisa tão doida
Conservemo-nos serenos
Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos
Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser
Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer
Curioso que nunca fui muito de venerar relógios.
Quando era guri, queria ter um, porque a gente sempre quer o mundo adulto quando estamos pequenos.
Então, como os demais meninos da rua, costumava desenhar a lápis um relógio em meu braço esquerdo (aliás, nunca entendi porque só se usava relógio em braço esquerdo).
Mile Cure
O desenho era tosco, pois sempre fui péssimo nessa arte, mas atendia à vaidade de achar que tinha um relógio no braço.
Depois, viraram moda uns relógios coloridos, com as pulseiras de cores diferentes.
A gente comprava um e ele vinha com várias pulseiras de cores diferentes, lembram?
Eu tive um bicho desses, não sei se foi comprado ou se ganhei.
Parei de usar relógio depois que comprei meu primeiro celular.
Àquela altura, já usava o relógio apenas para ver as horas, e não mais para enfeitar minha vaidade.
Como o celular já tem a hora na tela, preferi parar de usar relógio. Mas o poema de Cassiano Ricardo guardo comigo até hoje.
Afinal, “cada minuto da vida/ nunca é mais, é sempre menos”...
Segundo pesquisa recente feita na Inglaterra, os homens preferem o futebol ao sexo. Entre pernas cabeludas correndo num campo e pernas depiladas movendo-se sobre um colchão, eles preferem as primeiras.
Isso deixa intrigados sexólogos, antropólogos e terapeutas comportamentais, que não conseguem entender como se pode trocar, por exemplo, um orgasmo por um grito de gol. Ou os pequenos carinhos
Reconstruir uma história familiar pode levar décadas, ou milênios como alguns povos estão tentando em regiões nem tão inóspitas como imaginamos. Nossos povos latinos sequelados e sofridos durante longos genocídios, devido a propósitos unicamente econômicos, se desfizeram por medo e morte, e caso não se omitissem da violência opressora correriam o risco de extermínio. Ficamos intimamente ligados às pessoas e aos lugares, ao país, à língua que adotamos. Desejamos ficar ali pra sempre, por isso o mal é intenso quando nos tiram os laços construídos em nossa comunidade.
Ontem pela manhã descubro que brotaram cogumelos na plantinha do meu banheiro. À tarde se abriram gloriosos, à noite começaram a murchar e hoje, descubro que estão secando.
Paradoxo da vida. Amanhecer e morrer durante vinte e quatro horas.
Conosco não é diferente. Cheguei aos sessenta anos questionando o que virá. Estou no penúltimo ciclo do cogumelo… começando a murchar?
Ela nunca tocara tão bem até então. O artista sabe. Sempre. Quando se sai bem e quando não. Quando se sai mais ou menos também. O artista não precisa da crítica, pelo menos não sempre. Pois ele, lá no fundo de si mesmo, sabe. Ou desconfia. As críticas favoráveis certificam-lhe o que ele já sabe – ou pressente -, mas servem-lhe de afago, de confirmação, coisas tão necessárias para o ego inseguro quanto água para os sedentos. Por isso ela estranhou aquele silêncio vindo de quem ela menos esperava. Que ocorrera? Ela queria entender.
Uma amiga, viúva dos seus quase 70 anos, com dois filhos já casados e resolvidos financeiramente, vivia se queixando dos inúmeros problemas de saúde, da violência crescente na sociedade, da impossibilidade de viver tranquila com a própria aposentadoria e a pensão do marido, fontes que lhe garantem uma renda de algo em torno de 8 mil reais por mês.
Queria
Queria escrever poesia
Mas não posso
Entregue aos fatos
E a razão
Queria o verbo sem condicional
Mas não posso
Palavras passam fluidas
As mãos não as alcançam
Retornam ao coração
Queria o querer sem queria
Mas não posso
Há pressa e prazo
A ritmar compasso
O tempo é duro
É de prestar atenção
Queria , Oh como queria !
Largou-se de mim a poesia
Cumpro regras, venço o tempo
Sufoco em mim a emoção
Há um medo de dizer o bem dito
A coerção que limita
A liberdade de expressão
Há algozes
No caminho das palavras
Seres escuros
Sombras tenebrosas
Há um oco
O recolho ao centro do ovo
Onde a vida germina quente
Sob a casca branca e fina
Na força da oração
Só a fé a apontar destino
No incontrolável desatino
Do caos em turbilhão
Queria escrever poesia
Mas não posso
Há sol
Atrás das nuvens escuras
Do medo e da coerção
Há sol, mas não posso
Nem ouço pássaros
Mataram as flores
Com pés de manadas de burros
Sem rédeas e sem direção
Há um grito mudo no ar
Há reza forte nos lábios
De mães e pais
Crianças sem esperança
Há fome de amor
No prédio que chega ao céu
E na favela que deságua na lama
Queria este querer que asfixia
O claro a vencer a treva escura
As cores livres ufanando
O espaço
O tom humano de um abraço
A leveza de um traço
A boa semente da verdade
Que a paz vibrasse agora
No coração da humanidade
Queria
Não são os homens
Os que se ostentam ali
Estes já se mostraram torpes
Embriagados pelos prazeres
Que o poder outorga
E a ilusão confere
O que tolhe é o ha de vir
A loucura a olhos vistos
O circo com as jaulas abertas
O leão nas ruas sem domador
Em tempo real o picadeiro
A mostra de feras iradas
No púlpito da TV aberta
Fechando em dor
A desalma do futuro
E o povo ri feito criança orfã
Quando ganha um pirulito
É só mais um programa da televisão
Só mais um furo
Há impotência na pseudo escolha
Inocentes , distraídos
Com a carcaça da vez
Não há escolha
Há um restolho de ossos
Em travessa de filé mignon
Desconheço aqueles homens
Que se ostentam irados
Propostas de superfície
São brados que explodem
No imaginário montado
Falta brio
Corações de gelo
Extertores de frio
Inferno na primavera do inverno
Mulheres com voz de homens
Perderam o poder da intuição
Assisto
Rio também
Uma risada nervosa
Mas o circo não é imaginário
Nas palavras vãs
Não há perfume de rosa
Nem um Cícero a ocupar o tablado
Quero crer no atrás da curva
Seguir em paz meu caminho
Mas
Não posso escrever poesia
Não posso
Quero
Quero falar de abelhas
Quero falar de vida
Abelhinhas
Broches delicados
Em rolê
Entre pistilos
Metamorfoseando pólen
Criando flores
Perpetuando a vida
Quero falar de vida
Urge falar de vida
Plantar e colher
Um mundo são
Em novembro de 1809, quando Henry Koster, atendendo recomendação médica, deixou Liverpool com destino ao Recife, ele somente pensava em melhorar a sua saúde no clima tropical. Koster era filho de ingleses, nascido em Portugal, mas foi para a Inglaterra ainda criança. Devia ter, ao chegar ao Brasil, alguma condição financeira que o permitiu viajar, por algum tempo, por Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão. Depois de percorrer essas Capitanias, arrendou um engenho com escravaria próximo ao Recife e, em seguida, tornou-se plantador
O entretempo de 1912 a 1930 se caracteriza como período em que mais fortemente prepondera a influência do paraibano de Umbuzeiro, Epitácio Pessoa, na cena política nacional, primeiro como Senador, depois como Presidente da República e, em seguida, como Senador outra vez.
A esta altura, a Paraíba, mesmo diante de fortes divergências políticas locais, e de fatores geoambientais limitantes, com relação à construção de um porto no Sanhauá, a ainda não tão pujante capital paraibana aspirou a que o então pequeno Porto do Varadouro, ou Porto do Capim, ganhasse mais envergadura e se estabelecesse como porto competitivo, com maior capacidade de desempenho e com potencial para estimular
“As palavras se movem, apenas no tempo; mas o que apenas vive
Pode apenas morrer.
As palavras após a fala encontram o silêncio”T. Elliot
Era mais um dia de trabalho. A noite chegou desapercebida, escondida pela cortina da sala, lá fora o tempo corria! A espera do elevador enfrentava a saída simultânea de vários profissionais da área de saúde e clientela. Mas, após um breve aguardo, abriu-se uma porta com uma sorridente ascensorista. Algumas pessoas já presentes, recuaram educadamente para receber o novo afluxo. O silêncio propiciava olhares furtivos, avaliações rápidas, o olho no relógio... Um casal de meia-idade confirmava o próximo horário do dentista, quando ela subitamente quebrou a discrição, como se houvesse lembrado de algo importante:
Araruta é uma música de Noel Rosa. Uma das tantas, em que ele expressa a sua genialidade. Parece música com tom de marchinha de carnaval ou daquelas debochadas que permeiam a sua obra. As gerações de hoje, em overdose de sertanejos, pancadões e quejandos, não devem saber o que é marchinha de carnaval, festa tomada por outros ritmos, além do frevo, marcha-rancho e da própria marchinha.
A Araruta de Noel Rosa e Orestes Barbosa, de 1932, gravado em 1983, por Carlos Didier, biógrafo de Noel Rosa, segue, no entanto, em outra direção. É música de qualidade. Embora não seja versado nessa arte, sendo apenas um apreciador, achei a música parecida com um ragtime do tempo das melindrosas. Em alguns momentos,
Meu colega escritor Ariano Suassuna contava que uma vez foi jantar na casa de milionários cariocas e a anfitriã ficou decepcionada ao saber que ele jamais havia saído do Brasil. Pior ainda; não conhecia a Disney. Ariano concluiu então que para aquela senhora o mundo se dividia em duas partes; os que conheciam a Disney e o resto.
Observando o Brasil bem de longe (estou não fazendo nada em Florença), depois de conviver com brasileiros de todas as regiões e de todas as tendências políticas que encontro em restaurantes e museus, cheguei à insuperável conclusão de que o Brasil transformou-se em duas Disneys. Os que votaram em Bolsonaro entendem que o resto não merece sua atenção. Os que votaram em Lula não têm, como direi… a melhor impressão de quem não sufragou seu candidato.
Súbito me vejo à porta do sapateiro ou mais precisamente à banca de bicho ali atravessada, eu de pé a ver de cima a bela cabeça de mulher de cabelos anelados em sua ocupação diária de passar bicho. Não estava em meus cálculos parar ali, repetir o milhar sustentado desde o ano de 1949, quando fui levar um documento à casa do doutor Otávio Amorim, na Floriano Peixoto de Campina Grande, e senti na placa do seu carro, 1382, um forte palpite.
"Aquele exato momento de felicidade ninguém mais nos tira, aferrou-se no tempo, pertence agora à história. Uma multidão embevecida de alegria, separada por paredes permeáveis, explodindo em canto por toda parte, como se fosse o próprio júbilo a expulsar do poder o homem atroz..."
Julián Fuks, UOL, 05/11/22
"Chegou o grande dia. A vitória eleitoral da sociedade civil contra um projeto de autocracia miliciana e fundamentalista não tem outro nome: lavamos a alma. Esse banho vai ser demorado..."Receita para lavar a alma, de Gregório Duvivier
Eu não circulava pelo centro de João Pessoa há um bom tempo. Mas eis que amigos me recomendaram a busca do Terceirão, o Camelódromo instalado sobre um pedaço do teto daquele túnel escavado no eixo da Miguel Souto por baixo dos cruzamentos com a Visconde de Pelotas, a Duque de Caxias e a General Osório. E lá fui eu.