O entretempo de 1912 a 1930 se caracteriza como período em que mais fortemente prepondera a influência do paraibano de Umbuzeiro, Epitácio Pessoa, na cena política nacional, primeiro como Senador, depois como Presidente da República e, em seguida, como Senador outra vez.
A esta altura, a Paraíba, mesmo diante de fortes divergências políticas locais, e de fatores geoambientais limitantes, com relação à construção de um porto no Sanhauá, a ainda não tão pujante capital paraibana aspirou a que o então pequeno Porto do Varadouro, ou Porto do Capim, ganhasse mais envergadura e se estabelecesse como porto competitivo, com maior capacidade de desempenho e com potencial para estimular
1920 ▪ Porto do Varadouro, Parahyba do Norte ▪ Acervo: CCHJP
A exportação de algodão, açúcar, sisal, abacaxi e outros, sem dúvida, seria a maior beneficiária disso. A importação de combustíveis e derivados, e de produtos para o comércio varejista estaria no mesmo caminho. Por mais de uma década, agentes e atores importantes, em nível estadual e federal, até se empenharam, objetivamente, neste sentido. Projetos foram idealizados, recursos públicos foram comprometidos, obras chegaram a ter início.
Entretanto, à luz da história e da crítica política, e tendo a cidade e a população por testemunhas, com relação a tal objetivo, no fim, tudo se liquefez. Por razões as mais diversas, o Porto no Sanhauá não vingou. Planos foram esquecidos, incômodos e vergonhas com o que se deu foram confessadas. Mas, em torno do caso, restaram fatos que nunca vieram à lume. Não houve conclusão de apurações. A área física do terminal foi lentamente esvaziada, o assoreamento passou a comprometer ainda mais o leito do rio, a vegetação ciliar se recompôs, invasões não foram evitadas. Quase tudo mergulhou em abandono desde 100 anos atrás.
1922 ▪ Obras do Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
Em 1935, as atividades portuárias do Sanhauá são transferidas para novo porto em Cabedelo, o que enterra ainda mais as informações e o caso relacionado às questões nebulosas de que trata o historiador José JOFFILY (1914-1994), em livro denominado Porto Político, publicado pela Editora Civilização Brasileira,
Com o tempo, nada restou de alguma infraestrutura do cais que se pretendeu erguer e que no futuro pudesse atender a outras finalidades. Um exemplo de finalidade bem atual seria servir de ancoradouro turístico para pequenos barcos que atuam no transporte de visitantes da cidade, usuários dos hotéis e pousadas localizados no Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa que, em atraente passeio pelo mar e pelo estuário do Paraíba, chegariam ao Centro Histórico.
Outro papel bem atual para um pequeno ancoradouro na Cidade Baixa seria um port de plaisance, à semelhança dos tradicionais pontos de ancoragem vistos no país e mundo a fora, e que no Brasil são conhecidos como marinas. Um pequeno port de plaisance no Varadouro e outro no Jacaré, onde informalmente já ancoram barcos de velejadores e aventureiros vindos do mundo inteiro, de passagem para outros destinos, seria de bom tamanho para as atividades turísticas locais.
Ressalte-se que no Varadouro, até mesmo instalações antigas — alfandegárias, policiais, e de logística para a armazenagem, e outros — foram relegadas ao abandono, transformando-se em ruínas,
Ruínas das instalações alfandegárias do Porto do Varadouro ▪ Fonte: Alphabet
A propósito do que foi a curta, mas intensa saga em torno de um porto no Sanhauá, um interessante e polêmico livro que por razões desconhecidas dorme nos subterrâneos da nossa historiografia, e da academia, certamente, como peça pouco conhecida e pouco lida ou discutida.
Denominado Porto Político, o livro é uma obra literária do historiador, empresário e político José JOFFILY, publicada 60 anos depois da ocorrência de tais episódios que, a meu ver, deveria ocupar lugar consistente na historiografia paraibana, para a precisa compreensão dos fatos que tentam explicar o malogro de tal empreitada.
Sob meu ponto de vista, o livro se caracteriza como verdadeira catilinária. Pode-se, sem sombra de dúvidas, vê-lo assim, embora eu próprio considere dispensável qualquer rotulação, pois a obra é contundente, tem força própria, argumentação convincente e não precisa de Cícero, o romano, e mil vezes menos, deste modesto autor, para categorizá-lo.
Ruínas de imóveis no entorno do Porto do Varadouro ▪ Fonte: Alphabet
A rigor, Porto Político constitui-se contundente libelo em torno de um fato cuja repercussão negativa nos destinos econômicos do Estado da Paraíba foi inibidora e nos destinos da cidade de João Pessoa foi definitiva para a débâcle do bairro do Varadouro, e sobre o qual, de forma não explicada, se jogou a cal do esquecimento.
1922 ▪ Obras do (malogrado) Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
Certo também que, à época, ocupava a Presidência da República um renomado paraibano que, desde seu primeiro mandato como Senador da República, exercido de 1913 a 1919, estimulado por seu grupo político, já apoiava o projeto de um porto na capital. Tudo parecia conspirar em favor de que o Estado tivesse um porto de destaque.
1922 ▪ Obras do (malogrado) Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
José Joffily, o autor do livro, numa contundente avaliação crítica de fatos e medidas que beiram ao surreal e ao absurdo, e se perdem num emaranhado de equívocos cometidos, traz à lume, de forma bem documentada, um roteiro de como aconteceu essa tragédia e de como o fracasso, de cerca cem anos,
José Joffily Bezerra de Mello ▪ 1914—1994
Nesse vai e vem, afirma-se que recursos sumiram. Não se concluiu a obra. Ante os fatos e a não execução da obra, o presidente Epitácio teria se declarado envergonhado com o que aconteceu no seu Estado e, segundo a lenda política, teria se determinado a não mais pôr os pés na Paraíba.
Conforme Joffily, ninguém foi civilmente responsabilizado. Mas os fatos, de todo, não caíram no esquecimento. Alguns segmentos, notadamente historiadores, analistas e pesquisadores, vez ou outra, como fez José Jofflly, se remetem ao tema, notadamente em décadas mais recentes quando se vem buscando a revalorização do bairro do Varadouro e se volta a pleitear porto mais performante. Desta feita, em águas profundas, em Lucena.
Pela segura e intransigente argumentação deste historiador, a primeira dedução que se faz é a de que os recursos públicos federais destinados à empreitada teriam se transformado em disputado butim, sobre o qual, de maneira ávida e obscura teriam se envolvido poderosos e inconfessados interesses políticos, empresariais e técnicos que levaram à sua dilapidação.
Em seu livro, José Joffily mergulha nesta confusa questão, de forma aguda, destemida e aprofundada, questionando, argumentando, reunindo dados e analisando fatos, servido por farta documentação nele inclusa ou citada.
Porto Político, um livro do historiador José Joffily que vale a pena ler.