Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
(Luís Vaz de Camões)
Celebrar Camões é mais que recordar um nome ou uma obra. É compreender que ele vive. Sim, vive. No rumor das ondas que bateram na caravela de Vasco da Gama, no fado que ecoa das vielas de Alfama, no cheiro de sardinha e manjerico dos Santos
Entre as muitas vozes que se levantaram nestes dias de exaltação da cultura, uma destacou-se com força e doçura: a poeta Júlia Pereira. Em Lisboa, onde cada esquina tem memória, Júlia não recita apenas Camões — ela convoca-o. Com uma presença angelical, voz segura e uma paixão que trespassa a pele, ela transforma os versos de Os Lusíadas em matéria viva. É Camões que fala por ela, ou talvez seja ela quem fala por Camões.
Júlia não é apenas presença em eventos — é símbolo. Quando sobe ao palco, diante de escritores, editores, leitores e curiosos, o tempo dobra-se. As suas palavras misturam-se ás do passado e criam um presente onde a cultura não é ornamento, mas sim chão firme. É por isso que a sua atuação é tão imprescindível: ela representa o lado resistente e generoso de um Portugal que não se rende ao esquecimento.
Ignoram, porventura, que a língua é um organismo vivo, que se molda aos ventos da História. Querem uma língua pura, sem contaminações, esquecendo-se de que a própria origem do português é mestiça, feita do latim e de tantas vozes que vieram com o tempo — mouras, galegas, africanas, tropicais. O idioma que Camões escreveu já não é o mesmo que usamos hoje. E ainda bem.
Nas comemorações do Dia de Portugal, em Lagos, a presidente da Comissão Organizadora do 10 de junho de 2025, a escritora Lídia Jorge, lembrou-nos com lucidez que “Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo”. E, de forma reveladora, acrescentou:
Camões não morreu. Porque há sempre quem o recite, quem o viva, quem o sinta. E enquanto houver uma poeta como Júlia Pereira, de voz acesa e alma inteira, Camões continuará a caminhar pelas ruas de Lisboa, a sorrir entre os livros da Feira, a acolher as novas vozes da língua que ajudou a eternizar. A língua é viva — e por isso, o poeta também o é.


















































