E já que comecei, vamos espremendo a memória até ela ficar murcha, Afinal, já disse alguém que “recordar é viver”. Entremos, portanto, no b...

Ele queria ser meu pai

E já que comecei, vamos espremendo a memória até ela ficar murcha, Afinal, já disse alguém que “recordar é viver”. Entremos, portanto, no bonde da saudade à procura do que ficou para trás, Continuemos recordando nossos queridos familiares, hoje presentes nos retratos da parede e na nossa saudade.

Está aí o irmão mais velho da família, Eudes Barros, primogênito do primeiro casamento de minha mãe, que se tornou mais adiante no renomado poeta, jornalista, escritor e historiador. Nasceu em Alagoa Nova, cidade a que ele deu o título de “sítio público de mangueiras,” revelando logo cedo sua vocação poética.

O que mais impressionou minha mãe foi quando, ainda bem novinho, Eudes chamou-a para ver “uma flor chorando”... A mãe, curiosa e emocionada, foi ver do que se tratava: era um pingo de chuva escorrendo das pétalas de uma flor. Sorrindo, abraçou-o dizendo: “meu filho, você é um poeta”.

Eudes Barros começou sua vida literária escrevendo o livro de poesias: “Fontes e Paús” Foi um sucesso. E ele era um adolescente. Mas o livro que o consagrou como poeta foi “Cânticos da Terra Jovem,” em que se encontra seu famoso poema “Jesus Brasileiro”, cuja repercussão foi internacional. Sim, a BBC de Londres transmitiu o poema para todo mundo. Nesse poema ele conclui dizendo que Jesus foi crucificado, não numa cruz de madeira, mas numa cruz de estrelas. Era o Jesus brasileiro, Um Jesus de luz.

Outra grande vocação de Eudes Barros foi para o jornalismo. Chegou a editar um jornal, sozinho, cuja sede ficava na rua Direita, hoje Duque de Caxias. O nome do jornal era “A Rua”. Eu, menino, ia sempre lá, levado por Eudes, que me tinha como filho. Jornalista combativo, sem papa na língua, polêmico. Não foram poucos seus inimigos. Ele chegou a sofrer uma cilada por parte de oficiais da Polícia, pois escreveu numa manchete que a nossa Polícia estava tramando um golpe contra o governo, o que não foi provado. Quem estava no poder era Argemiro Figueiredo, que, tranqüilo, mandou chamar o jornalista para uma conversa, no Palácio da Redenção. E tudo se desfez em abraços e desculpas, Afinal, o jornalista precisava vender o jornal...

Certa vez, um desses inimigo achou de entrar na redação do jornal A Rua, de revólver em punho, Desejava matá-lo. Não o encontrou, porquanto Eudes roncava, tranquilamente, num quartinho fechado, lá no fundo do quintal.

Depois, Eudes trabalhou aqui, em A União, onde manteve uma coluna social muito lida, sob o pseudônimo Til.

E que dizer do historiador?: excelente! Seu romance histórico sobre a Revolução de 1917 foi um sucesso: “Dezessete”, ampliado depois para “Eles sonharam com a liberdade”.

Deixemos o Eudes poeta, jornalista, historiador, e falemos do excelente irmão que foi para mim. Um irmão-pai que me exerceu uma grande influência. Chegava, às vezes, a me passar carão.

Temperamento, às vezes, manso, às vezes violento, não chegou a se casar. Ainda se enamorou de uma moça da sociedade, mas não teve coragem de pedir a mão da moça ao pai, como era costume na época. Pediu ao meu pai José Augusto Romero, que o substituísse no pedido. Constrangido, papai levou a sério a incumbência. Não demorou um mês, Eudes rompeu o noivado. Ele era assim: imprevisível. Um cordeiro que, às vezes, virava leão.

E ele me adorava. E achou de me levar, um dia, para o Recife, numa viagem de ônibus, que durou cinco horas, E me dizia: “Você vai conhecer uma grande metrópole”. Foi um presente que ele me deu. O diabo é que eu morri de saudade de minha mãe e pedi a Eudes para voltar logo para casa. Saudade do meu sítio lá na Lagoa, que ainda hoje sinto...

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