Madrugada fria, noite de chuva mansa, devagar o dia entra neblinoso pela janela da sala. É muito cedo. Hora de silêncio puro, a cidade ainda dorme. Meus pensamentos conversam entre si no tom de acordar o sono. Sinto em presença ausente os distantes, onde pousaram os que voaram deixando suas histórias vibrando em mim. Fotos avivam o filme da memória. Tudo é nada no vazio da ausência não preenchida.
M. Rajabi
A outra face do silêncio é a palavra insistente que ronda o travesseiro e me impede de dormir.
Os filhos casaram, tiveram filhos, uso óculos para perto e para longe. Prefiro lentes degradê, ver com filtro para que o excesso de luz não me fira os olhos. Tenho tempo para me esticar na madrugada em instantes de completa felicidade, a sensação de ter acertado a mão na vida.
Não leio o tempo com pressa demais. Se tem uma coisa que embola o peito é amar sem medida de durante, amar faz susto. O coração pulsa pelos meus, por eles em suas histórias, as crianças que criam a expressão dos dias. A noite uma pausa fácil, vírgula.
A trama da madrugada não pode ser vista a olho nu, dorme sob o efeito do sonho. E nesta cama a mulher sou eu. Sou uma mulher que sonha mas não é próprio uma mulher da minha idade sonhar. Mas não é a idade que sonha, esta não conta, o que em mim sonha é a mulher.
A. Popov
No espaldar da cadeira amarela a malha de lã roxa largada pelo avesso. Palavras viradas compõe o feitiço de uma escrita desconhecida que vai se auto escrevendo, livre, fios soltos se alinham no script da alma. Lá fora a quaresmeira espera as luzes do orvalho. Olhos parados no teto, página em branco para escrever poemas. E quando as palavras faltam estou com Deus, guardo o amor agarradinho no peito, puxo as cobertas, apago a luz do abajur.