Sábado que passou, depois de prolongada ausência, passei lá pelo bar do Lulinha, centro da cidade, onde encontrei alguns...

A metade

acerto conto esperteza humor
Sábado que passou, depois de prolongada ausência, passei lá pelo bar do Lulinha, centro da cidade, onde encontrei alguns amigos da escrita e de outras artes. Gente que eu considero da melhor cepa e dentre as artes que mencionei, estavam ali praticando uma que não pode faltar nessas ocasiões e lugares: a arte da mentira! A turma presente, entre um gole e outro, exercia com singular desenvoltura essa pratica secular da ficção e da fantasia. Foi onde e quando ouvi essa obra prima que ousarei relatar linhas adiante. Mentira? Provavelmente. Mas, elaborada com engenho e imaginação.

Ainda que considere inverossímil o que vou contar, por via das dúvidas, é de melhor alvitre que os nomes dos personagens estejam devidamente trocados, caso o relatado tenha realmente ocorrido (o que não acredito, mas...). Vamos ao causo.

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Nathan Dumlao
Era no tempo dos coronéis.

Coronel Tibúrcio comprou um lote de garrotes, meia dúzia de vacas em lactação e um touro a um outro coronel, o Durvalino. Comprou e não pagou. Nesse ramo de negócio, a promissória é o fio do bigode; ou seja, a palavra. Falou que vai pagar tal dia, não há porque duvidar, pode-se contar com o combinado porque aquilo, como dizem, é liquido e certo. No caso em questão não foi liquido, nem foi certo.

Esse tipo de pendenga não costuma ser resolvido nas barras dos tribunais. No caso de calote em compra de gado, o assunto é acertado com chumbo e não com conversa mole de doutor advogado. Não pagou, leva umas “azeitonas” no bucho para aprender a cumprir com a palavra.

Mas, o coronel Durvalino soube que o compadre Tibúrcio andara passando por uns perrengues e deu um tempinho com a dívida. O homem perdera a mulher, gastara muito com a doença da esposa. Só que passou um ano, depois outro e nada. Nem um desculpa, nem uma satisfação. Aquilo não era coisa de homem de palavra e foi então que o coronel credor resolveu dar um basta naquela pendenga.

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Ronald Plett
Primeiro pensou em chamar Alcides, seu braço direito, quando se fazia necessário resolver alguma cizânia, fosse no braço, na faca ou no parabélum. Achou melhor, começar pegando leve e para isso ninguém melhor que Chiquinho Perna Torta, galeguinho esperto, bom de conversa, jeitoso no trato com as pessoas e o melhor vaqueiro nos cem alqueires de pasto da propriedade de Durvalinho.

— Chamem o Perna Torta aqui. Quero falar com ele agora. Pede pra ele largar o que tá fazendo e vir agorinha mesmo!

Chamaram e Chiquinho foi. Todo ressabiado, chegou temendo que tivesse algum malfeito pesando sobre suas costas. Mas não era. O coronel chegou todo cerimonioso.

— Chiquinho, sei que você é um caba bom de conversa, vende gelo pra esquimó. Tô precisando dum favor seu.

— É só dizer, meu coronel.

— É o seguinte: Compadre Durvalino tá me devendo (disse o valor) dá compra de um gado. Faz bem uns três anos e nem uma pataca aquele tratante pagou. Quero que você vá lá cobrar aquele safado.

— Deixa comigo, coronel.

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Foodie Factor
— Sei que você é bom de conversa. Diga ao compadre Tibúrcio que divido a dívida em duas vezes. Se você conseguir arrancar alguma coisa daquele sacripanta vou dar para você metade do que conseguir receber.

Chiquinho sorriu todo animado. Na hora já começou a fazer planos com a sua parte naquele pecúlio.

— A metade do que receber é seu. Combinado, Perna Torta?
— Combinado, coronel. Tô indo agora mesmo.

Isso foi numa segunda-feira. Chegou a sexta e nem notícias do Perna Torta. Durvalino ficou preocupado. Essas cobranças podem terminar mal. Mas, Chiquinho era bico doce e devia ter levado a bom termo a cobrança. Mandou procurar Perna Torta.

Nem meia hora depois chegou a notícia: Perna Torta estava desde terça-feira no bordel de Dona Nevinha, na maior safadeza com as meninas de lá. Coronel Durvalino não quis mais saber de conversa botou o trinta e oito na cinta e foi direto para lá.

Lá estava Chiquinho com duas meninas do lado e uma no colo toda cheia de dengo com ele.

— E o meu dinheiro, Perna Torta? Cadê? — Coronel, o senhor não me prometeu a metade? O que estou gastando é dinheiro meu, a minha parte. A sua metade, vou buscar depois. O coronel Tibúrcio prometeu pagar em novembro (era janeiro).

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