Casamento equivocado é o que não falta no mundo. Ampliando o arco, podemos afirmar que equívoco é o que não falta no mundo. Não só nos casamentos, mas em tudo, tudo mesmo. O homem é um ser que se equivoca ou um ser-para-o-equívoco, poderia escrever um filósofo alemão. Equivocamo-nos desde que acordamos, ao escolher a roupa que vestiremos, por exemplo, até quando nos recolhemos para dormir. É um fato.
Voltando ao casamento, sabemos que é mais comum os jovens se equivocarem nesse terreno. A falta de maturidade e de experiência, o natural e precipitado entusiasmo juvenil e a própria irresponsabilidade pura e simples explicam o fracasso de tantas uniões conjugais na juventude. É a paixão transitória (e cega) dominando as decisões e não a sensatez dos sentimentos amadurecidos. Compreende-se.
Marly de Oliveira e João Cabral
Acervo Família Oliveira
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Iniciemos com o temperamento de João Cabral. Por tudo que já se escreveu sobre o poeta pernambucano, sabemos que ele sempre esteve mais para o recolhimento que para a extroversão. Neste aspecto, era parecido com Drummond. Com o agravante de que sofreu a vida toda, até quase o fim, de uma persistente dor de cabeça, suficiente para estragar o seu humor. Era um notório ensimesmado, do ponto de vista da mundanidade, sem prejuízo, claro, da boa e gentil convivência com aqueles e aquelas que conseguiam adentrar sua resguardada privacidade. Como diriam os críticos, era mais homem do menos que do mais. O inverso de Vinícius (de Moraes), poder-se-ia afirmar. Sua poesia mostra isso – e sua vida também. Sempre a medida certa, o comedimento, a aversão aos excessos de quaisquer tipos. Já Marly de Oliveira, pode-se dizer, era o oposto, em termos de índole. Era expansiva e cultivava com indisfarçável gosto a chamada vida social e literária. Não era do recolhimento, da casa, era da expansão – e da rua.
João Cabral e Stella Maria (1946)
Acervo de Família
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O tempo irá mostrar que não. Assim como o Recife, o Rio de Janeiro que recebe João Cabral após sua aposentadoria como embaixador de carreira lhe é praticamente estranho. É então uma cidade dominada pela violência urbana, sem nada da doçura dos primeiros anos do poeta na “cidade maravilhosa”. Por outro lado, a frequentação da Academia não o anima, sem falar nos problemas de visão que começam a afetá-lo, ao ponto de impedir a leitura e os jogos de futebol pela televisão, atividades que o distraiam no cotidiano. Como se vê, abre-se um ambiente propicio ao isolamento e à depressão, ambiente ao qual Marly, jovem e sociável, não quer se sacrificar. Eis o problema.
Marly de Oliveira
Acervo Família Oliveira
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Ter-se-ão arrependido os dois poetas da decisão de casar? Aqui só podemos especular, é claro, mas há elementos para a especulação. Vejamos. Quanto a ela, talvez não tenha se arrependido de todo, uma vez que ser casada com João Cabral de Melo Neto adicionou-lhe um prestígio literário e social considerável e ao qual, parece, ela era bastante sensível. Mas o fato de não poder exibir tanto o marido glorioso, como gostaria, e o fardo de ter que cuidar dele na velhice sorumbática devem ter pesado negativamente em sua avaliação matrimonial. Quanto a ele, imagino que, passado o entusiasmo inicial, a avaliação tenha sido plenamente negativa, mormente a partir de quando se viu vítima da solidão e da melancolia, sem ter com quem dividir suas agruras. Fosse a companheira menos moça e ativa, e mais presente ao lar, talvez tivesse sido diferente.
João Cabral ladeado pela filha Inês e Marly de Oliveira
Levy
Levy
Como bem sabe o leitor, há nesta história toda, misturadas, realidades e suposições. Afinal, quem pode falar com propriedade sobre um casamento, qualquer casamento, além dos próprios cônjuges? O problema é que estes, quando falam, em regra são parciais, só contam as coisas pela metade, a sua metade, o seu ponto de vista. Sendo assim, é preciso um terceiro que procure vê-las integralmente, na medida do possível e se é que é possível. É o que, com a ajuda indispensável de outros terceiros que me antecederam, estou tentando fazer aqui nestas breves linhas.