No início dos anos 1950, a Paraíba estava a reclamar uma nova obra que tratasse da sua História desde os primeiros tempos da colonizaçã...

A História da Paraíba que não foi escrita

celso mariz paraiba
No início dos anos 1950, a Paraíba estava a reclamar uma nova obra que tratasse da sua História desde os primeiros tempos da colonização pelos ibéricos, considerando que já fazia pelo menos três décadas que fora publicado o último livro com mais ou menos esse propósito. Notas sobre a Parahyba, de Irineu Joffily, a primeira obra desse gênero, saíra ainda no século 19 (1892). Maximiano Lopes Machado faleceu em 1895, deixando inédita a sua Historia da Provincia da Parahyba, que somente foi publicada em 1912. O primeiro volume de Datas e Notas sobre a Parahyba de
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Irineu Ferreira Pinto foi editado em 1908 e, em 1910, Apontamentos para a Historia Territorial da Parahyba, de João de Lyra Tavares. Em 1914, o Presidente Castro Pinto encarregou Tavares Cavalcanti de elaborar um Epítome da Historia da Parahiba para ser utilizado no ensino da História da Paraíba nas então chamadas escolas do ensino primário.

Em 1922, surgiu Apanhados Historicos da Parahyba, trabalho de Celso Mariz. Naquela época, Celso Mariz já era uma das principais figuras do meio intelectual do Estado. Jornalista atuante, Mariz chegara a fundar um jornal, com João Suassuna e Álvaro de Carvalho, e era Diretor da Secretaria da Assembleia Legislativa estadual. Apanhados Historicos cobria todo o período colonial e se estendia até o ano de 1920. Mariz estreara em livro, em 1910, com Atravez do Sertao que teve boa repercussão. Coriolano de Medeiros escreveu na apresentação da obra que Celso Mariz era “o talento mais precoce da Parahyba. Sem estudos regulares, e sem meios para os fazer, tem, a golpes de talento, batido muitas prevenções, conseguindo senão um nome glorioso, ao menos o respeito que merece quem tão novo se manifesta espirito superior”. Em 1939, Mariz publicou Evolução Econômica da Paraíba que, segundo ele, tratava de matéria que lhe escapara quando da elaboração do Apanhados Historicos. Celso Mariz escreveu, em seguida, outras obras entre as quais se destacaram uma Memória da Assembleia Legislativa da Paraíba e uma biografia do Padre Ibiapina.

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1915: Em pé, da esquerda para a direita, Pedro Bezerra, José Pereira, Inocêncio Nobre, Joaquim Matos Rolim, Oscar Soares e Celso Mariz. Sentados, na mesma ordem, José Gaudêncio, Antônio de Souza Lacerda Nitão, Solon de Lucena, João Suassuna e Miguel Sátiro.
Foi por essas credenciais que, no final da década de 1940, Celso Mariz foi contratado pelo governo estadual, na administração do Governador Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, para escrever uma História da Paraíba. Conforme os termos contratuais, Mariz recebeu um adiantamento inicial para cobrir as despesas que teria que fazer com deslocamentos para efetuar pesquisas em arquivos localizados fora da Paraíba. Além disso, Celso Mariz receberia uma remuneração mensal de dois mil cruzeiros até a conclusão do trabalho, o que deveria ocorrer em 1951.

No início de fevereiro de 1952, quando já havia transcorrido um ano da posse de José Américo de Almeida como novo Governador do Estado, uma interrogação aposta no título de uma nota publicada no jornal O Norte levantava a questão da contratação de Mariz pelo governo estadual. “E a História da Paraíba?” era o título da matéria subscrita por “Sobral”.
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O Norte, 03.02.1952 ▪ BN
A nota que abordava o assunto de forma contundente, mas tratando Celso Mariz de forma respeitosa, era assinada pelo jornalista Geraldo Sobral de Lima, um dos principais redatores do jornal e que, poucos anos depois viria a se tornar o secretário da redação de O Norte. Geraldo Sobral argumentava no seu texto:

“Sabemos que escrever uma obra de tamanho vulto, não se compara, decerto, com a feitura de um relatório burocrático [...] No entanto, como contrato é contrato, precisamos aquilatar as razões que motivam o seu não cumprimento [...] Não suspeitamos do autor a quem reputamos um dos mais ilustres intelectuais da província, um historiador honesto e criterioso [...] Não temos, até o presente, uma história completa de todo o evoluir da Paraíba. Há a de Maximiano Machado, aliás uma boa obra, que, infelizmente, além de não se encontrar atualizada, pois seu autor a escreveu há muitos e muitos anos atraz, não corresponde ás ideias modernas de interpretação histórica dos fatos. Existem outras, como a de Irineu Pinto, que aliás não é propriamente uma história, e sim uma coleção de documentos, de grande valor para a feitura de uma verdadeira história da Paraíba.”

E Geraldo Sobral concluía: “E a História da Paraíba que o sr. Celso Mariz se comprometeu a escrever, viria a preencher essa lacuna imensa, abrindo novos horizontes aos estudiosos. Porque ainda não apareceu? Onde está?”.

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Dois dias depois, Celso Mariz encaminhava carta a José Leal, chefe da redação de O Norte, na qual expunha suas razões para não ter ainda concluído a sua História da Paraíba:

“Meu contrato inicial com o Estado teve um aditivo em novembro de 1950, o qual me dilatou o prazo até dezembro do ano atual. Chamado pelo governo de então para outro encargo, cujo desempenho me absorvia todo o tempo, procurei-me prevenir com uma providência que me puzesse a salvo de vexame. Antes, disso apresentei á Secretaria de Educação o trabalho já realizado, capítulos escritos, notas, cópias datilográficas e datiloscópicas, todo o acêrvo já reunido para o cumprimento ou pelo menos para o andamento dos serviços do contrato. Tenho ainda diante de mim onze meses para a entrega do trabalho. É verdade que já agora verifico como foi pequeno o tempo que me propuz á sua execução”.

Celso Mariz continuou apresentando os problemas com os quais estava enfrentando para a conclusão da sua História da Paraíba:

“A minha História da Paraíba ainda não apareceu porque não está inteiramente escrita. A parte redigida e as notas, rascunhos e mais matérias destinados ao complemento do plano, vieram comigo a Tambaú e voltam agora, neste cálido fim de estação, ás gavetas do nosso modesto bureau na Avenida Senador João Lira 47. De acordo com o contrato, o Gôverno suspendeu a começar de janeiro os dois mil cruzeiros (e não 2.500) que me vinha concedendo mensalmente. Sabemos eu e Deus, ou antes, sei eu somente, como levarei a empresa até o fim, apezar das facilidades parecerem bastantes.”
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1916 ▪ Carlos Dias Fernandes, Celso Mariz, Camilo de Holanda, Oscar Soares e Antônio Massa.
Não consegui obter informações sobre como se deu o desfecho da contratação de Celso Mariz pelo Governo do Estado para elaboração de uma História da Paraíba. Mas, fica difícil imaginar que uma deliberação sobre um acordo de tal relevância, que tinha como uma das partes uma figura destacada na Paraíba como Celso Mariz, não tenha passado pela decisão do governador José Américo de Almeida. É um assunto, até hoje, obscuro. Mas, esse não foi o primeiro episódio, que não ficou bem esclarecido, envolvendo esses dois ilustres paraibanos.

Três décadas antes, em 1922, o Presidente Solon de Lucena encarregou José Américo de Almeida e Celso Mariz de elaborarem um livro defendendo as obras que Epitácio Pessoa havia executado no Nordeste no seu período
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na Presidência da República, se reportando, especificamente, ao caso da Paraíba. Mariz e José Américo percorreram o Estado, durante o mês de novembro de 1922, para efetuarem as pesquisas de campo. No ano seguinte, quando da elaboração do livro, Mariz se desligou do projeto, por razões que, do ponto de vista de José Américo, tiveram explicações divergentes. José Américo de Almeida, então, escreveu sozinho o livro, que tomou o nome de “A Paraíba e seus Problemas”, e se tornou uma das obras fundamentais da cultura paraibana. O livro saiu dos prelos da Imprensa Oficial do Estado, na sexta-feira 18 de janeiro de 1924, e, a rigor, tem o seu centenário comemorado neste ano de 2024. Tratei do assunto em “Um livro feito por encomenda que resiste ao tempo”.

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A União, edição do dia 19 de janeiro de 1924.
Celso Mariz faleceu em 1982, com quase 97 anos, sem ter concluído a sua História da Paraíba. Mas, que fim terá levado “capítulos escritos, notas, cópias datilográficas e datiloscópicas, todo o acêrvo já reunido para o cumprimento ou pelo menos para o andamento dos serviços do contrato” que Mariz, de público, declarara ter entregado à Secretaria de Educação do Estado? Onde foi parar “a parte redigida e as notas, rascunhos e mais matérias destinados ao complemento do plano” que o próprio Celso Mariz afirmou que guardava no seu “bureau na Avenida Senador João Lira 47”?.

Não sei se meu velho amigo Fernando Melo, jornalista experiente, biógrafo tarimbado e proficiente enxadrista, atualmente preparando uma biografia de Celso Mariz, encontrará alguma pista que nos esclareça sobre o paradeiro desses papeis de Celso Mariz.

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  1. Anônimo4/2/24 09:59

    Muito interessante o texto.Na espectativa para ver a biografia de Celso Mariz a ser publicada por Fernando Melo , para verificar se o que aconteceu será esclarecido.

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  2. Anônimo5/2/24 09:35

    Muito bom o texto e o resumo histórico! 👏🏽👏🏽👏🏽

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