Não posso dizer que nunca tive veleidades poéticas. Todos temos, sobretudo quem lida com a palavra e a estuda constantemente através dos bons autores. Fixei-me, no entanto, no ensino da Literatura e não em produzir Literatura. Afirmo com todas as palavras que não sou poeta, sou apenas um versejador que, à força de ensinar que o poema é para o ouvido e não simplesmente para os olhos, acabei por fazer um livro de epigramas, fruto das minhas leituras de Catulo, Marcial e Gregório de Matos, e outro de poemas infantis para os meus netos, Arthur Ígbà e Clara Lis.
Clara ▪ Milton ▪ Arthur
Por outro lado, o fato de dar aulas de versificação e de ter acompanhado durante muito tempo as cantorias, além de ter amigo entre os cantadores de viola, isto ajudou a apurar o ouvido. Do mesmo modo que não sou poeta, também não sou repentista,
Acervo M. Marques Jr
A ideia de fazer um livro para os netos surgiu colocando-os para dormir, balançando-me com eles na rede. Cansado de cantar as mesmas músicas de ninar, comecei a inventar historinhas com bichinhos, como uma lagartixa, que passeava pela parede, ou com os brinquedos que eles tinham, a exemplo de um cavalo e uma vaca, ambos de borracha, para os quais criei uma história de amizade, e também com um trator amarelo de Arthur, o Tutuco, a partir do qual criei a música Senhor Trator. Depois vi, que poderia escrever histórias em versos, já que tenho um bom ouvido para o ritmo do verso português. Na realidade, o primeiro texto que criei foi para Arthur, três meses mais velho que Clarinha. Arthur ainda estava em fase de aleitamento materno e criei para ele o Melô do Leitinho, no ritmo de funk e em versos heptassilábicos:
Mamãezinha, eu acordei
e estou preocupado:
onde está o meu leitinho,
que me deixa sossegado?
Sossegado, sossegado,
Sossegado, sossegado.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho.
Se não tomo o meu leitinho,
eu já fico perturbado,
esperneio, choro e grito,
é um show bem orquestrado.
Orquestrado, orquestrado,
orquestrado, orquestrado.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho.
O meu nome é Arthur,
sou o rei desse pedaço;
sou movido a leitinho
e a quentura de um abraço.
De um abraço, de um abraço,
de um abraço, de um abraço.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem leitinho.
De leitinho e de abraço;
vem, leitinho; vem, leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho;
de leitinho e de abraço.
Com o passar do tempo fui criando as historinhas que compõem o meu livro – Histórias em versos do vovô Milton (João Pessoa, Ideia, 2017). Trata-se de um livro simples, com capa colorida, mas miolo em preto e branco, por causa dos custos. São quatro historinhas. Três delas são de minha autoria, envolvendo algum fato com meus netos: um sapo que apareceu na casa de Arthur, ao qual ele deu o nome de Joaquim (O Menino e o Sapo); um gafanhoto que ele descobriu andando na viga da coberta do terraço de casa (Arthurzinho e o Gafanhoto); uma abelha, um urso, uma libélula e um cacho de uvas, que faziam a estampa do pijama de Clarinha, sendo ela a autora da ideia (História do Urso, da Libélula e da Abelhinha). A quarta história, a mais longa de todas, é uma recriação de O Lobo Mau e Os Três Porquinhos.
Eu sou o sapo Bocarrão, mas já me chamei Joaquim.
Vou contar-lhes minha história, do início até o fim.
Muito tempo eu morei, na casinha de um menino,
No jardim, dentro de um jarro, pois eu era pequenino.
O menino era Arthurzinho, para mim um grande amigo,
Deu-me casa e comida, deu-me, enfim, um bom abrigo.
Eu cresci e fui embora. Arthurzinho também cresceu,
Mas não sabe nem metade do que me aconteceu.
Ao sair de sua casa, um atalho eu peguei,
Fui bater numa floresta e, então, me assustei.
Eu fugi de uma cobra e também de uma coruja
E de gente que dizia: “⏤ Não permita que ele fuja!”.
Fui pulando aperreado, consegui me esconder:
Uns querendo me matar, outros querendo comer.
Quando tudo se acalmou, da minha toca eu saí,
E ainda atarantado, dentro d’água eu caí.
Me salvou uma cegonha, gente boa, gente fina,
Mas pensei: “⏤ Agora, eu morro! Como é triste a minha sina!”
A cegonha, no entanto, não estava à minha caça,
Ela era mesmo amiga, muito mesmo boa-praça.
Me salvou e foi dizendo que uma festa ela daria
E que eu era convidado; que tamanha cortesia!
Eu gritei “Oba! “Oba!”, de entusiasmo cheio,
A cegonha, então, me disse, bem direta e sem receio:
"⏤ Pra minha festa, só virá quem tiver boca pequena!”
Eu arredondei a boca, busquei pose bem serena,
E falando bem pausado, quase me pondo de pé,
Respondi-lhe, prontamente: “⏤ Coitadinho do Jacaré!”
Acervo M. Marques Jr
Escrever as histórias foi uma alternativa que encontrei, com relação ao que existe no mercado do livro infantil. Acho que o nosso mercado editorial, de uma forma geral, vai mal, no que diz respeito à literatura Infanto-juvenil ou adulta. Precisamos repensar o que se está publicando em escala industrial, como se os leitores estivessem numa esteira de consumo,
M. Marques Jr
Escrevo pela alegria de escrever. Precisamos resgatar essa alegria.