Todo o Evangelho é recheado de passagens que merecem muita reflexão. Diante de tantas, escolhi duas, que se tornaram muito populares, aind...

Duas passagens do Evangelho

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Todo o Evangelho é recheado de passagens que merecem muita reflexão. Diante de tantas, escolhi duas, que se tornaram muito populares, ainda que seu sentido, muitas vezes, tenha sido distorcido. Quem não conhece os ditos “Dai a César o que é de César” e “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”? O primeiro está ligado a uma pergunta capciosa feita pelos fariseus a Jesus, passagem encontrada nos três primeiros evangelistas (Mateus 22, 15-22; Marcos 12, 13-17; Lucas, 20, 20-26), menos em João. O segundo diz respeito à mulher acusada de adultério, passagem que vê unicamente em João (7, 53 – 8,11).

Que ensinamentos nos trazem esses dois momentos? No primeiro deles, Jesus é assediado por fariseus que querem fazê-lo cair numa armadilha. Ao perguntarem se era lícito pagar o tributo a César, Jesus os surpreende pedindo para ver o denário e lhes faz uma pergunta inesperada: “De quem são a efígie e a inscrição, que se encontram na moeda?” Diante da resposta dos fariseus, que a efígie e a inscrição eram de César, Jesus lhes responde “Dai a César o que é de César”. Não há passagem melhor no Evangelho para se fazer a diferença entre o mundo espiritual e o mundo material. Os fariseus estão preocupados com os bens e os tributos que se pagam no mundo material. Se esse mundo pertence a Tibério César, como imperador romano, e se a moeda traz a sua efígie e inscrição, comprovando o fato, nada mais natural do que dar o seu a seu dono.

É interessante, atentarmos para a armadilha lançada. Se Jesus respondesse que era lícito pagar o tributo a César, estaria contra os judeus; se ele respondesse o contrário, estaria contra o império romano. De uma forma ou de outra, o sentido era colocá-lo numa posição de antagonismo. A resposta inteligente de Jesus é dada a pessoas que consideravam apenas os bens e os reinos terrestres. O reino de Jesus, no entanto, não é deste mundo, é um reino espiritual, que se encontra dentro de cada um de nós, basta que o procuremos e que o aceitemos, se tivermos a Graça de achá-lo. A grande preocupação dos fariseus era libertar-se da opressão de Roma e de seus impostos, não era a libertação dos bens materiais, em busca da vida eterna, atentos que estavam à ostentação e aos ritos exteriores dos cultos.

A segunda passagem traz como ensinamento a necessidade de fazermos uma análise de consciência, antes de acusar os outros. A mulher que está para ser apedrejada, de acordo com os costumes da lei mosaica, após ter sido flagrada em adultério, serve de instrumento a Jesus, para ensinar, sobretudo, o que é responsabilidade. Quantos dos que ali estavam, culpando-a e desejosos de apedrejá-la, não eram também pecadores e, talvez, com pecados muito maiores? A passagem do Evangelho mostra o quanto é fácil levantar o dedo e apontar para o outro, culpando-o de coisas que nós mesmos praticamos às escondidas, como os fariseus.

Nós nos acostumamos a fazer sempre o caminho mais fácil, como buscar culpados e condenar nos outros ações que são apenas de nossa responsabilidade, mesmo que isto não seja correto. Não é que devamos buscar o caminho mais difícil, se podemos fazer o mais fácil. O fato é que fazer o correto é sempre mais difícil, porque exige mais esforço de nossa parte e ainda o concurso do outro, que, muitas vezes, não está fazendo o que deveria ser feito. A lição de responsabilidade é muito importante, pois Jesus não atua para livrar a mulher das consequências dos seus atos. Ela poderia ter sido apedrejada, apesar de sua intervenção, pois ela sabia viver num sistema, opressor que seja, que punia severamente o adultério da mulher. Diante disso, ela não pode, portanto, colocar a culpa na lei ou nos que desejam o seu apedrejamento. A intervenção de Jesus é no sentido de questionar, de modo simples e direto, a pureza de cada um dos circunstantes, não o fato de que o adultério deve ser aceito.

Por isso mesmo, Jesus espicaça a consciência de cada um: Quem estiver livre de pecado, que atire a primeira pedra. Considerando, ainda, que toda a sua pregação é sobre o Amor, perdoar a quem errou é um ato de Amor. Perdoar não é passar a mão na cabeça de quem errou, mas dar-lhe a chance de aprender com o erro cometido. Daí a advertência de Jesus, chamando a mulher à responsabilidade de seu ato: “Vai e não peques mais!”. Em suma, que se perdoe a adúltera, mas não o adultério.

Estas duas passagens revelam, assim, a necessidade que temos de nos ater aos bens espirituais e às nossas responsabilidades. Se Deus nos deu a vida, devemos dá-la a ele de volta como retribuição, procurando palmilhar a via certa, aceitando as responsabilidades de nossos atos, dispostos a viver as consequências, quaisquer que sejam elas.

Uma ação reclama uma reação. Antes de ser uma lei newtoniana é a Lei Cósmica do Retorno. Se não compreendermos a existência dessa forma, passaremos a vida acumulando bens que não levaremos conosco, quando da hora de nossa partida, e acreditando que procurar culpados ou sentir culpa, sem reconhecer as nossas responsabilidades durante a nossa estada na terra é mais importante do que nos prepararmos para a volta à espiritualidade.

Quando reclamamos de que somos reprimidos, devemos procurar saber qual é a maior repressão, se a do déspota, a dos nossos acusadores e perseguidores ou se a nossa própria, que nos negamos a reconhecer que o espírito pode mais que a carne.

Fica a reflexão.

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  1. Parabéns Milton Marques Junior!!
    Escolhestes essas duas passagens do Evangelho ...entre muitas outras !!! para pontificar a lógica e coerencia de Jesus face à " Lei maior ...extra terra.
    Paulo Roberto Rocha

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  2. Anônimo7/3/21 09:35

    Obrigado, Paulo Roberto! Estejamos sempre com o Cristo!

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  3. Meu mestre amigo Milton, essas duas passagens dos dois Evangelhos que nós conhecemos, alertam em nosso espírito a grandiosidade de meditação. Minha gratidão pela pérola matinal. Valeu meu mestre.

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  4. Anônimo7/3/21 11:49

    Obrigado, meu querido Oliveira! Que as bênçãos do Cristo recaiam sobre nós!

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  5. Anônimo7/3/21 14:35

    Excelente hermenêutica professor, obrigado.

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  6. Excelente hermenêutica professor, obrigado.

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  7. Anônimo7/3/21 17:00

    Obrigado, Hugo!

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