No domingo, 13 de outubro de 1912, o vapor Maranhão atracava no porto de Cabedelo, trazendo o senador João Pereira de Castro Pinto , que ...

A paixão que venceu a política

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No domingo, 13 de outubro de 1912, o vapor Maranhão atracava no porto de Cabedelo, trazendo o senador João Pereira de Castro Pinto, que vinha tomar posse na Presidência da Paraíba. Na eleição, realizada em 22 de junho, Castro Pinto foi, praticamente, o único candidato e teve 15.335 votos. O seu concorrente, o coronel Rêgo Barros, teve a solidariedade de apenas 476 paraibanos. Rêgo Barros fora afastado da disputa, pela interferência de Epitácio Pessoa, ministro do Supremo Tribunal Federal, junto ao Presidente da República, Hermes da Fonseca. O coronel Rêgo Barros viera, em abril, fazer a sua pregação política na Paraíba. Uma semana depois, recebeu determinação do Ministro da Guerra para que retornasse “no primeiro paquete” à Capital Federal, conforme suas próprias palavras a um jornal do Rio de Janeiro.
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Castro Pinto ▪ 1863—1944 ▪ CC0
Castro Pinto não veio à Paraíba fazer campanha política. E nem precisava. As eleições naquela época eram decididas antes do pleito ser realizado.

O resultado da eleição de 1912 para a Presidência da Paraíba havia sido acertado em uma reunião realizada em dezembro do ano anterior, presidida pelo Presidente Hermes da Fonseca e com a participação dos chefes das duas correntes políticas do Estado que apoiavam o governo federal: o ministro Epitácio Pessoa e o padre e senador Walfredo Leal. Pelo que ficou ajustado, Castro Pinto seria o candidato de conciliação dos dois grupos e deixaria a sua vaga no Senado para Epitácio Pessoa, que se aposentaria do Supremo Tribunal por invalidez. Essa aposentadoria de Epitácio Pessoa, aos 47 anos, foi, durante anos, muito criticada na imprensa, já que a sua invalidez não o impediu de exercer mandatos de senador, participar de missões no exterior e até ocupar a Presidência da República. O certo é que tudo que foi acordado na reunião de dezembro de 1911 foi confirmado, sem imprevistos ou surpresas, em eleições e renúncias que foram previamente combinadas entre as partes.

Entre as notícias — publicadas em “O Norte” — sobre a chegada à Paraíba do novo Presidente do Estado, encontrava-se uma pequena nota que não deve ter despertado maiores curiosidades dos leitores do jornal.

“Em companhia do dr. Castro Pinto, afim de assistir á posse, veio a illustre familia do dr. Werneck Dickens, engenheiro da Prefeitura do Districto Federal, composta da sra. Werneck e suas gentis filhas Nair, Dulce e Alcina que foram recebidas na gare por varias familias da nossa sociedade”.
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Estação Great Western ▪ Parahyba do Norte, em 1913 ▪ Fonte: Levy
Os Werneck Dickens pertenciam a tradicionais troncos familiares fluminenses. O engenheiro José Werneck Dickens tinha laços de parentesco com o político e jornalista Carlos Lacerda e com o jornalista Moacir Werneck de Castro. Sua esposa, Alzira, era irmã de Oscar Soares de Niemeyer, pai do renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.

Nas solenidades da posse do Presidente Castro Pinto e no baile realizado em comemoração ao novo governante paraibano, as mulheres Werneck Dickens tiveram participação destacada, conforme a narrativa de um jornal local:

“No nosso mundo elegante o baile de ante-hontem constituiu um verdadeiro acontecimento social, pelo brilho, fidalguia e bom gosto que o presidiram. A residencia presidencial estava adornada com elegancia desde a entrada [...] A’s 10 ½, a orchestra, sob a direcção do sr. Camillo Ribeiro, tocou a quadrilha de honra, tendo o dr. Castro Pinto dançado com mme. Werneck de vis a vis com o dr. João Machado, que dançava com mme. Laura Thom [...] Entre as pessôas presentes [...] as senhoritas Dulce, Nair e Alcina Werneck Dickens”.
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Palácio da Presidência ▪ Parahyba do Norte, em 1914 ▪ Fonte: M. Sales
A partir daí, e à medida que os dias passavam, começou a se perceber, na cidade da Paraíba, que algo diferente de uma simples amizade existia entre o novo Presidente do Estado e Alzira Werneck Dickens. Aquele relacionamento de Castro Pinto e Alzira, fora dos padrões aceitáveis naqueles tempos, e com a agravante de envolver a principal autoridade estadual, chocava a provinciana sociedade da Paraíba. Mas, as críticas e os comentários circulavam de forma dissimulada, sub-repticiamente. Afinal, Castro Pinto, era o Presidente do Estado. Castro Pinto se aproximava dos 49 anos de idade quando assumiu o governo da Paraíba. Para o político e escritor Octacílio de Queiroz, Castro Pinto “foi um amoroso-sentimental, tardio já, à idade realista que envolve todo o outono da existência comum de sêres e homens [...] Não seria novidade, pois que de Dante, Goethe aos pequenos mortais anônimos, vamos divisar deslumbramentos assim, do outono pleno pela florida primavera”.

Ainda segundo Octacílio de Queiroz, Castro Pinto confessara a um amigo “que, pela primeira vez despertava para o ‘eterno feminino’,
Ao discursar na tribuna da Câmara pela primeira vez, Castro Pinto se apresentou como representante do magistério e fez da educação um dos temas principais da sua atuação parlamentar.
depois que seu coração encontrara a fascinante dama. Antes, era um misógamo, votado ao estudo, ao Latim, à Geometria, à Oratória, à Política”.

Amigo e colega de turma de Epitácio Pessoa na Faculdade de Direito do Recife, Castro Pinto, já como acadêmico, era “orador brilhante, erudição notável, figura de destaque”, nas palavras do jurista Clóvis Beviláqua, que foi seu contemporâneo na Faculdade. Castro Pinto foi um dos principais líderes abolicionistas da Paraíba e com a instituição da República fez parte da primeira Assembleia Constituinte republicana do Estado. Com a mudança na política paraibana e dissolução da Assembleia, voltou a exercer o cargo de Procurador da República e passou a militar na imprensa oposicionista.

Em 1895, Castro Pinto deixou a Paraíba para ser redator do Senado Federal. Cooptado pelo senador Álvaro Machado, que passara a comandar a política do Estado, retornou à Paraíba para ser professor do Liceu Paraibano e, em seguida, ser eleito deputado estadual.

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Lyceu Paraibano, na década de 1910 ▪ Parahyba do Norte ▪ Fonte: Percepções Reais
Por discordar de decisões do então Presidente da Paraíba, renunciou ao mandato de deputado estadual e deixou, novamente, o Estado, iniciando, como se fosse uma ave de arribação, uma jornada por vários lugares, sem permanecer por muito tempo em nenhum deles: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará, Pará, sempre deixando sua marca como professor, inclusive do conceituado Colégio Pedro II, no Rio. Jornalista e intelectual atuante, chegou até a fundar, em 1900, uma das primeiras Academias de Letras do país, a do Pará.

Em 1906, Castro Pinto foi eleito deputado federal pela Paraíba, dando início a sua participação, por seis anos, no Congresso Nacional, como deputado e senador. Ao discursar na tribuna da Câmara pela primeira vez, se apresentou como representante do magistério e fez da educação um dos temas principais da sua atuação parlamentar:

“E porque eu faço parte do magisterio brazileiro, e porque entendo que, apezar do abandono em que se acha essa questão, ella constitue, ao menos sob o ponto de vista pratico, sob o ponto de vista de suas consequencias e resultados, o problema salutar da regeneração do Brazil, como sempre aconteceu em qualquer outro paiz”.

Castro Pinto exercia o mandato de senador, quando foi escolhido como candidato à Presidência da Paraíba com a concordância das duas correntes que disputavam o poder político no Estado. Em várias entrevistas dadas antes de assumir o governo, ele anunciou as suas propostas de renovação das práticas da política estadual. Suas ações governamentais seguiram, fielmente, o que ele anunciara: combate rigoroso ao cangaceirismo que assolava o Estado, designando para os comandos da Polícia oficiais do Exército; reestruturação das escolas públicas, com a instalação de cursos profissionalizantes e a adoção do ensino noturno; criação de uma Universidade Popular; contratação do primeiro projeto de saneamento da capital do Estado; determinação para o afastamento dos juízes das atividades político-partidárias, entre outras medidas que tornaram o seu governo inovador e objeto da atenção de todo o país.

Frontispício de mensagem enviada pelo presidente Castro Pinto à Assembleia Legislativa Estadual, em 1914 ▪ Fonte: Digital Delivery System
Castro Pinto, um intelectual versado em Filosofia e que nos seus mandatos parlamentares sempre se preocupara com questões sociológicas, educacionais e da ciência do Direito, no exercício do governo estadual se deparava com demandas paroquiais rasteiras, questiúnculas e acomodações político-partidárias. As medidas republicanas que tomava na Presidência da Paraíba nem sempre eram bem recebidas pelos coronéis que comandavam os municípios como se fossem seus latifúndios. Na Assembleia Legislativa, discursando para os deputados (a maioria deles chefes políticos municipais) sobre o tema do cangaceirismo, as palavras de Castro Pinto devem ter causado grande desconforto:

“Essa desoladora chronica de homicidios não punidos, ás vezes celebrados como façanhas de guerra que o mais bronco desvirtuamento da politica militante alimenta e perpetua nos municipios, teve o melhor dos seus pretextos e a mais ampla de suas ensanchas na propaganda eleitoral do bacamarte e das depredações, envolvendo e arrastando, nesse tumulto de paixões facciosas, os proprios bandoleiros profissionaes [...] É principalmente nessa alliança das classes dirigentes que o banditismo do interior encontra as suas raizes profundas.

No início de 1915, na eleição para senador e deputados federais, houve o rompimento entre as duas correntes políticas que dominavam a política do Estado. Castro Pinto adotou uma posição de neutralidade com relação à disputa eleitoral. Proibiu qualquer ingerência da máquina administrativa do governo em favor das candidaturas. O jornal “A União” apenas publicou os resultados oficiais do pleito. A eleição da Paraíba, pela inusitada decisão de isenção do Presidente do Estado, foi acompanhada pela imprensa nacional.

Conhecidos os resultados da eleição, os perdedores, liderados pelo monsenhor Walfredo Leal, voltaram-se contra Castro Pinto, pela falta de apoio. Os vitoriosos, ligados a Epitácio Pessoa, cobravam do Presidente do Estado a demissão dos perdedores que ocupavam cargos no governo.
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Castro Pinto, em caricatura de J. Carlos ▪ Revista Careta, 1913 ▪ Bib. Nacional
A conduta republicana adotada por Castro Pinto desagradou aos dois grupos políticos. Para Octacílio de Queiroz, “em meio à semi-barbárie da política paraibana, de desvairadas ambições pessoais, de clãs e corrilhos daquela época, e, ainda de hoje, da influência majestática e agressiva de Epitácio Pessoa e do conservadorismo valfredista, não havia lugar para o neutro”.

A partir daí, nas palavras do historiador Horácio de Almeida, Castro Pinto sofreu “uma campanha de injúria e ridículo, como nunca houve igual na imprensa da Paraíba, contra um chefe de Estado”. Indignado com a situação, Castro Pinto se licenciou do governo e, logo depois, renunciou. Deixou a política e nunca mais pôs os pés na Paraíba. Para Octacílio de Queiroz “quando a felicidade iluminava os dias de Castro Pinto, a asfixia do meio pequenino, moralizante, bisbilhoteiro, acabaria por tentar manchar-lhe o nome” e a sua “amorosa afetividade” com Alzira “concorreu e foi talvez um dos motivos mais fortes que o levaram a deixar a Paraíba de vez, para nunca mais voltar”.

Em 1925, uma década depois de deixar o governo da Paraíba, Castro Pinto respondeu, da seguinte forma, a uma pergunta de um questionário que lhe foi apresentado pela jornalista Analice Caldas na revista paraibana “Era Nova”:

– Conhece ou conheceu o verdadeiro amor? – Conheci e conheço; só o amor vale a pena neste mundo.
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Revista Era Nova ▪ Maio/1925 ▪ Fonte: UFPB
Somente em 1930, dez anos após a morte do seu marido, Alzira Werneck Dickens formalizaria a sua união matrimonial com o tribuno paraibano, passando a se assinar Alzira de Castro Pinto. Em julho de 1944, aos 80 anos, João Pereira de Castro Pinto faleceu, no Rio de Janeiro. O “Diário Carioca” noticiou a sua morte com o título “Um Homem Exemplar”:

“Morreu pobre [...] Deram-lhe, para garantir o pão da sua família, um modesto lugar de distribuidor do 6º ofício da Justiça desta capital. Assim terminou seus dias um homem exemplar, que foi deputado, senador, e presidente de Estado, mas foi, sobretudo, um modelo de cidadão”.


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▪ Este texto foi extraído e adaptado do livro “O Tribuno – Castro Pinto e sua época”, com prefácios de Gonzaga Rodrigues e Sérgio de Castro Pinto e apresentação de Ângelo Emílio Pessoa, o qual será lançado no sábado, 21 de maio, às 10h30, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.

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  1. Mais um excelente artigo. Dessa vez sobre uma valiosa contribuição para aprofundar mais a historiografia da Paraíba na Primeira República e mostrar os meandros da nossa política. Foi um prazer e uma honra escrever a apresentação desse primoroso livro sobre Castro Pinto.

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  2. O escrito de Flávio nos faz lembrar mais uma e recente manifestação da ingratidão latente nesta Paraíba "velha de guerra", quando políticos insignificantes quiseram cancelar uma das poucas e, até modesta, das homenagens que devemos prestar a esse conterrâneo que tanto engrandeceu nossa história.
    Ainda bem que tivemos manifestações de lucidez que obstaram tal pretensão.

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  3. Muito bom artigo sobre esse desconhecido e interessante personagem da política paraibana. Essa boa e surpreendente leitura muito me acrescentou em termos de conhecimento acerca da formação histórica e social da nossa capital. Parabéns ao autor.

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    1. Meu nome é Walkiria Toledo de Araújo

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