Escapei no domingo quando o sol no ponto mais baixo do horizonte, metade da cara fora do mar, mal espreitava o mundo. Onde estacionei, à beira do calçadão, ele pouco via, além de mim, numa Manaíra deserta.
Ali, naquele instante, a movimentação maior provinha das folhas dos coqueiros sopradas por ventos tão indecisos quanto eu e, quem sabe, quanto os ocupantes dos três carros que por mim passaram em marcha lenta, um após outro, em intervalos de poucos minutos. Apesar de saber de obrigações e compromissos em qualquer horário,
Máscara a postos, álcool no tanque e nas mãos, saí dali em direção ao centro da cidade igualmente vazio. E isso me agradava, porquanto não pretendia parar nem falar com alguém que, porventura, eu conhecesse. Pássaro liberto, fugido de uma gaiola, era como eu me sentia.
Cheguei ao pátio da Capela do Socorro uns 40 minutos depois de haver resolvido esticar o percurso, assim, de improviso. Ali, também, nenhuma viva alma, no que pese o hábito de madrugar dos que vivem no campo.
Brisa fresca e leve, folhas ainda orvalhadas, o cruzeiro com seus traços coloniais e a igrejinha caiada, telhas e piso avermelhados, como se recém-construída. Olhei aquilo tudo e senti, ao ponto do arrepio, a presença de Odilon Ribeiro Coutinho. Era coisa que ia além da mera lembrança. Era algo mais incisivo, o que incomodava o sujeito sem muitos credos nem profissão de fé que eu, lastimavelmente, sou.
Capela de Nossa Senhora do Socorro ▪ Localização: Santa Rita-PB
Cheguei até ele, em data da qual não lembro com a precisão do dia e do mês, a fim de cumprir pauta distribuída pelo editor Josélio Gondim. A entrevista renderia, na semana seguinte, a matéria de capa da revista “A Carta”, a que dei o título “Íntimo dos Santos”.
Capela de Nossa Senhora da Batalha ▪ Localização: Cruz do Espírito Santo-PB
Facilitou os entendimentos o fato de Humberto Lucena, paraibano de quatro costados, presidir o Congresso Nacional. Tanto é o que o Iphan também acudia, quase no mesmo momento, a antiga Casa de Câmara e Cadeia de Pilar, ambiente que recebeu Dom Pedro II. O Rio Paraíba, numa de suas maiores enchentes, havia derrubado um pedaço da fachada desse prédio, levado ruas inteiras de Cruz do Espírito Santo, os canaviais de Santa Rita e deixado metade da nave da Capela da Batalha em suspensão, a três metros do leito, depois que as águas baixaram. Também não lembro quanto tempo durou o processo das restaurações. Mas foram feitas.
Pilar-PB: Casa de Câmara e Cadeia de Pilar (à direita)
Odilon Ribeiro Coutinho ▪ 1923—2000
O saudoso Odilon contava essa e outras histórias do gênero como ninguém. Ele definia o Baixo Vale do Rio Paraíba – ali incluídos os engenhos de açúcar de Pilar e São Miguel de Taipu, palco de romances de José Lins do Rego – como área de profunda evocação lírica e histórica.
Disse-me, certa vez, que Gilberto Freyre tinha no alpendre da Capela do Socorro (também usada por trabalhadores rurais para dois dedos de prosa, a caminho do eito) uma das provas cabais da intimidade que os nordestinos estabeleceram com os santos de suas devoções. Que falta nos faz gente como Odilon.