Stefan Zweig tinha predileção por eles. Aos vitoriosos, preferia os perdedores, maiores e menores, não importava. Por isso, biografou e perfilou de Maria Antonieta, a rainha guilhotinada, a Sebastião Castellio, personagem pouco conhecido que teve a coragem de enfrentar o todo-poderoso Calvino – e perdeu, claro. Nos livros desse austríaco triste que conheceu a glória e o exílio, os perdedores ganharam a compreensão e a admiração da posteridade, o que, no fim, não deixa de representar a melhor e mais definitiva vitória.
Ele, Talese, tinha razões para suas reservas quanto às celebridades. No início de sua carreira como jornalista, tentou por todos os meios entrevistar Frank Sinatra e não conseguiu, impedido pelos assessores, bajuladores e até pelo próprio cantor, que não encontrou – ou não quis encontrar – tempo para conversar com o então anônimo iniciante. Mas o jornalista, a partir das migalhas de informações colhidas aqui e acolá no entorno de Sinatra, construiu com o seu talento um perfil do intérprete que se tornou um clássico do gênero, um retrato de maior alcance e profundidade que aquele que resultaria de uma entrevista padrão. É o que se chama de fazer do limão uma limonada – e que limonada!
Winston Churchill Wikimedia
É uma sensibilidade (não necessariamente uma virtude) e também um certo temperamento, penso eu, essa empatia (para além da simpatia) com os perdedores de toda espécie. Essa irresistível opção, por exemplo, pelo traído e apagado Karênin (o marido da famosa Ana) que pelo belo e vitorioso Vronski, tão raso e tão banal em
'Anna Karenina' Alliance Films
Quanto a isso, talvez seja possível defender que Machado de Assis, em Dom Casmurro, viu mais longe que o russo, pois deu protagonismo ao suposto traído Bentinho, inclusive o título do romance. Capitu, mesmo com sua obliquidade e olhos de ressaca, não tinha profundidade suficiente para dominar a trama romanesca e muito menos Escobar, que fez apenas o que se esperava dele naquelas circunstâncias, ou seja, pegou sem hesitar o que lhe foi oferecido, tal como Vrosnki ou o jardineiro da casa, se fosse o caso. Não o adultério em si mesmo, como fenômeno comum da vida, mas o que ele produziu na mente e no coração de Bentinho, tenha a traição ocorrido de fato ou não, isso sim deu interesse e dimensão universal à obra do modesto brasileiro do Cosme Velho.
'Vronsky e Anna Karenina' Alliance Films
“………..
Que importa hajam perdido?
Que importa o não-ter-sido?
………….
pois perder é tocar alguma coisa
mais além da vitória, é encontrar-se
naquele ponto onde começa tudo
a nascer do perdido, lentamente.”
Tocar alguma coisa mais além da vitória. É esse o “privilégio” dos perdedores. Os que estão habituados a vencer jamais tocarão essa coisa indefinida, mas que se supõe grande, tragicamente grande. Os Vronski da vida nunca alcançarão esse patamar de humanidade e é por isso que, como todos de sua variada espécie, são pequenos em suas enganosas e passageiras conquistas.
Evidente que não se trata de fazer a apologia do fracasso. Longe disso. Mas de ter um olhar compassivo – e compreensivo - para com os fracassados, que, afinal, somos todos, mesmo os vencedores, em algum momento e quanto a algum aspecto da vida. Ninguém vence sempre, sabemos. E se, por acaso, assim acontecesse com alguém, certamente isso o transformaria num tolo insuportável, eterna criança mimada e estúpida, incapaz de inspirar qualquer personagem de ficção que valesse a atenção do mais modesto autor.
Ironia e mistério da vida, o que perde tem mais a aprender e a ensinar que o que ganha. Pensemos nisso, mas, claro, não busquemos ser perdedores por masoquista opção.