A herança é a maneira mais pertinente
de formar uma biblioteca
(Walter Benjamin, Desempacotando minha biblioteca)
de formar uma biblioteca
(Walter Benjamin, Desempacotando minha biblioteca)
À pergunta que alguém me fez recentemente diante das minhas estantes cheias de livros - A senhora já leu todos esses livros? - dei a seguinte resposta: li muitos desses livros para escrever textos, outros fiz apenas a leitura de determinados capítulos e há aqueles que permanecem fechados aguardando a hora da leitura. Foi essa pergunta que me conduziu até ao ensaio de Walter Benjamin, Desempacotando minha biblioteca. Um discurso sobre o colecionador, inserido no livro Rua de mão única. Ele conta que está desempacotando os livros de sua biblioteca e afloram muitos pensamentos e lembranças.
Walter Benjamin Academia de Künste
“Quantas cidades não se revelaram para mim nas caminhadas que fiz à conquista de livros!”
Uma das aquisições que rememora com afetividade foi a compra de um livro infantil de Albert Ludwig Grimm e publicado em Grimma, na Turíngia (Alemanha). Desse mesmo autor, procedia um livro de fábulas com dezesseis ilustrações, um trabalho primoroso do grande ilustrador alemão Lyser. Do ilustrador, descobriu outro livro – Contos de Lina, uma obra pouco conhecida.
A tarefa de desempacotar livros começara ao meio-dia, já era meia-noite e ainda restavam alguns caixotes. No meio de livros encadernados, encontrou dois álbuns de figurinhas que a mãe havia colado quando era bem pequeno e que herdou como lembrança da infância. Eram as sementes de uma coleção de livros infantis e vem a reflexão sobre o que guardamos no meio de livros – folhetos, prospectos, fac-símiles de manuscritos ou cópias datilografadas e revistas, tudo isso pode aparecer em uma biblioteca.
Walter Benjamin em Abbey of Pontigny (França) Gisèle Freund
Por fim, satisfeito, ao terminar a tarefa de arrumar os livros na biblioteca, bendiz aquele que passa a vida no meio dos livros com essas palavras proféticas: “Bem-aventurado o colecionador!”.
Walter Benjamin também colecionava telas de artistas famosos, uma delas foi Angelus Novus, de Paul Klee. Foi o primeiro trabalho de Klee da coleção de Benjamin, depois adquiriu outros, mas este primeiro recebeu uma atenção especial do filósofo. Vale a pena saber um pouco da história dessa pintura em nanquim, com tinta a óleo sobre papel que acompanhou Benjamin por vários anos. A aquisição ocorreu em 1920 e só se separou dessa obra em 1933 ao fugir do nazismo, mas logo conseguiu reavê-la. Para o filósofo, o anjo pode ser comparado ao Anjo da história e passa a imagem de “mensageiro”.
Angelus Novus Paul Klee
Quando fugiu da Alemanha por ser judeu (1933), com medo de perder esta obra de arte, Benjamin deixou o quadro com um amigo, em 1935 retornou a seu antigo dono e com ele permaneceu até junho de 1940, ano da sua morte.
Há um detalhe sobre o destino desse trabalho de Klee. Antes de deixar a capital francesa, onde se encontrava refugiado, Benjamin retirou o desenho da moldura, colocou-o numa mala junto com seus escritos, queria salvá-lo da catástrofe. Coube a Adorno ser depositário dessa preciosidade que hoje se encontra no Museu de Israel. Para chegar até a esse museu um longo caminho foi percorrido.