Mulheres, esperar o quê delas? (As Avós) Ao ver o título desse romance da ganhadora do prêmio Nobel de Literatura 2013, Doris Lessi...

As avós

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Mulheres, esperar o quê delas?
(As Avós)


Ao ver o título desse romance da ganhadora do prêmio Nobel de Literatura 2013, Doris Lessing, achamos fofos. E pensamos que vamos encontrar bolinho de chuva, tricô, e meus netinhos. Pista enganosa!

Essa escritora, nascida no Irã e naturalizada Britânica em 1919 e que faleceu em 2013, é também agraciada com muitos prêmios importantes da literatura mundial. Autora de obra prolífica, que inclui trabalhos indo da autobiografia à
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ficção científica, trabalha com temas que variam extensamente, passando pelo exame das tensões inter-raciais, a política racial, a violência contra as crianças, os movimentos feministas e a exploração do espaço exterior. Dos seus trabalhos, estudei o famoso conto “To Room Nineteen” (O quarto 19), um clássico do movimento feminista, e que muito me marcou os anos e os meus questionamentos de mulher sobre liberdade, casamento, espaço subjetivo, maternidade, tomados mais tarde na obra de Virginia Woolf e no filme As Horas.

No conto, uma mulher bem-sucedida profissionalmente e com um casamento e filhos bem estruturados, se sente sufocada na sua engrenagem doméstica e aluga um quarto de hotel para passar horas vagas perdidas nos seus anseios, perdições, desejos e inquietações. Como explica-se para si a famosa frase da artista plástica e Sra Rodin, Camille Claudel: “Há algo ausente que me atormenta!”. Depois, Lessing expande esse tema em outros trabalhos como em The Golden Book (O Caderno Dourado), com mais aprofundamento de tempo/espaço. Sem dúvida um dos livros mais importantes da ascensão desse movimento pelas conquistas das mulheres, nos anos 50. Em As Avós (Companhia das Letras, 2003),
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o mergulho no mundo das mulheres continua. Falo desses lugares estereotipados e sacralizados na vida das mulheres como o lugar da mãe, e nesse romance, das avós.

A sociedade nos diz que, somos santas na maternidade e sem ela não nos realizamos como mulheres. E com a menopausa e filhos crescidos, chega-nos esse outro lugar sagrado da Vovó Donalda e seus bolinhos de maçã, entrega integral, substituta de todas as faltas e afetos. Ainda mais nos tempos de hoje, com as mulheres sobrecarregadas, os pais ainda ausentes, e o mundo doméstico ainda tão em cima da carga mental feminina. Doris Lessing transgride tudo isso.

As Avós (livro do mês de abril do meu Clube de Leitura), tem como tema novamente a mulher, no caso as avós, e o seus papéis completamente invertidos. E a des-ordem desse amor também. O tema da amizade, amizade de infância, sororidade e descobertas tantas. Duas amigas que tem suas vidas contadas. Linearmente. Roz, mulher do teatro e Liz, dos esportes, da meninice à velhice. Escola, despertar sexual, estigma, casamento, filhos, segredos e traições, incesto, a convivência e o amor, tudo guardado a sete chaves. Ou em cartas. Cartas essas que ficam submersas nos baús da vida. nos porões dos cofres e da memória. Mas tanto os diários como as cartas, possivelmente um dia, serão lidas.

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Doris Lessing Reuters
O lugar onde se passa o enredo é um balneário paradisíaco frequentado por ricos. O mar. Ah! O mar esse símbolo da liberdade cujas ondas vão e voltam. Mas também dos mistérios. Das profundezas. As rochas, o surf, os espinhos, e os esportes e as artes entrelaçando tudo.

A subversão dos papéis vem aos turbilhões de ondas que nos pregam de assaltos. Papeis de avós, mães, filhos, amigos, autoridade, e principalmente a exigência que a sociedade nos cobra de se ter um homem dentro de casa: “havia duas mulheres, sem homens, e seus filhinhos.” Nada mais ameaçador que uma casa feminina! Como assegurar uma estabilidade emocional, financeira e simbólica sem um provedor que seja o baluarte dos princípios?

E Roz sabia que, “uma felicidade assim tinha que ter seu castigo, e que esse era um amor que não ousava dizer seu nome.” Assim como Oscar Wilde, outro escritor, irlandês, que usou essa mesma definição, para falar do seu amor homossexual, quando ele mesmo se defendeu num tribunal que o condenava por tal crime.

“Na visão dessas personagens subversivas, que em alguns momentos se torna também a visão do leitor, temas como amizade, sexualidade e a maternidade ganham novos contornos, num efeito ambíguo e desconcertante, típico da grande literatura”.

Em breve, Maio, teremos o Dia das Mães. Desde já desejo um Feliz dia às Mães e Avós!

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  1. Anônimo2/5/24 06:46

    Uma excelente introdução à obra de Doris Lessing escrita por outra brava mulher, a cronista aldeã, mãe e avó. Texto que é também testemunho, denúncia, conclamação. Missão cumprida, Ana. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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