Definitivamente, esse negócio de colocar no filho o nome do pai é muito arriscado. Raramente dá certo. Ou seja, raramente o filho está à altura do pai, principalmente quando este se destacou positivamente por alguma razão. Caráter, talento e genialidade não são transmissíveis geneticamente. E aí geralmente se frustram as expectativas de continuidade do pai no filho. A história está cheia de exemplos.
Fiquei a refletir sobre isso ao ver Robert Kennedy Jr. ser indicado para compor a equipe ministerial do próximo governo Trump. Vejam só. Tento entender e não consigo. É como se o filho de Rubens Paiva,
Robert Kennedy Jr., em 2024
Imagino, como se diz, Robert Kennedy, pai, revolvendo-se agoniado na tumba. Se fosse outro filho dos muitos que teve, já seria inadmissível; imagine ser justamente aquele que leva o seu nome, ícone dos democratas americanos, aureolado pela tragédia do martírio. Como se sabe, a família Kennedy (John, Robert e Ted) é sinônimo, nos EUA, de partido democrata. Tal como Franklin Roosevelt, presidente antes e durante a Segunda Grande Guerra, por quatro mandatos consecutivos, fato único, provavelmente irrepetível. Como pode um de seus membros apoiar e participar do mais republicano e retrógrado dos governos?
Os irmãos Robert, Edward e John Kennedy, na Casa Branca, em 1963. ▪ US National Archives
Paulo Niemeyer Filho
Pai corajoso e filho covarde. Pai honesto e filho ladrão. Pai genial e filho medíocre. Pai empreendedor e filho preguiçoso. Pai líder e filho sem carisma. Pai honrado e filho crápula. Pai progressista e filho reacionário. Pai femeeiro, como diria Gilberto Freyre, e filho nem tanto. E por aí vai. Os exemplos são inúmeros. Praticamente toda família tem o seu caso, uns mais relevantes, outros, menos.
Esse apóstata Robert Kennedy Jr., para agravar ainda mais o que já é bastante grave, é um negacionista das vacinas e vai dirigir a área da saúde norte-americana. Pelo visto, escolhido a dedo pelo negacionista maior, seu chefe. Uma perspectiva nada alvissareira para a população do país que pretende liderar o mundo.
Robert Kennedy Jr. e Donald Trump cumprimentam-se em evento realizado no Arizona, 2024.
Frank Sinatra
Frank Sinatra Jr.
Um nome paterno ilustre pode também, sob alguns aspectos, facilitar a vida do filho homônimo. Esses nomes, sabemos, abrem portas fechadas ao comum dos mortais. Arranjam empregos e cargos atraentes. Fraudam concursos e licitações, para beneficiar o “menino” do importante papai. E não só aqui, mas no mundo todo. Quem quiser que pesquise. E quanto mais desigual for a sociedade, mais esses nomes têm força, perpetuando execráveis elitismos. Certa vez, num determinado concurso, ouvi um pai gabando-se de que o filho fora aprovado após a banca verificar a ascendência supostamente preclara do candidato. Não percebia esse pai que contando
1963: Robert Kennedy (pai) discursa durante manifestação em defesa dos direitos civis. ▪ Fonte: LoC
Robert Kennedy, pai, lutou, ao lado do irmão John, pelos direitos civis dos negros americanos. Foi assassinado, assim como o irmão presidente, porque contrariou poderosos interesses. Ambos marcaram, com sua liderança, seu carisma e seu martírio, o século XX, tão cheio de tragédias. Para muitos, foi um herói do mundo livre e das liberdades em geral. Esperemos que o filho homônimo não chegue jamais a se notabilizar sendo exatamente o seu oposto.
Diz-se dos Kennedy – não sem razão - que são uma família marcada pela tragédia. E de fato são: a morte do primogênito do patriarca Joseph na Segunda Grande Guerra, a lobotomização de Rosemary, uma de suas filhas, o assassinato dos irmãos John e Robert, o pouco explicado acidente de carro de Ted, no qual morreram sua secretária e suas chances de chegar à Casa Branca, depois a precoce morte de John Jr. em acidente de avião. Outros infortúnios ocorreram com familiares vários. E agora essa traição de Robert Jr. ao nome do pai e ao clã. Sem dúvida, uma tragédia não menor que as demais.