Vou registrar nestas linhas algumas imagens de meu tempo de menino até que eu possa chegar ao que sugere o título do presente texto. Co...

O capão

infancia nostalgia recordacao cronica
Vou registrar nestas linhas algumas imagens de meu tempo de menino até que eu possa chegar ao que sugere o título do presente texto. Começo dizendo que foi o melhor dos meus tempos. Jogava-se bola na rua, empinava-se pipa nos ventos de julho, fazia-se o pião girar absoluto em chão de terra batida e havia de se mostrar destreza e pontaria nas contendas com bolas de gude.

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Brigas? Não faltavam no futebol do “três vira e seis acaba” onde as traves eram dois tijolos e gol só podia ser de bola rasteira. Faltas? Que faltas? Só não valia mesmo mão na bola (bola na mão era a mesma coisa) e qualquer divergência de interpretação era resolvida no muque, no braço e depois nada de ficar “di mal”. As coisas eram mais simples.

Outro detalhe que faz diferença estava num item aparentemente sem importância: as casa tinham quintais. Claro que no caso, não se tratava das quintas portuguesas de onde se originou a palavra. Era coisa mais modesta, mas pelo menos no meu quintal coube uma pequena horta, um pé de manga, um de abacate, outro de limão-cravo, o de laranja e o galinheiro.

Ah, nosso galinheiro, habitado por meia dúzia de poedeiras, um galo vermelho de raça, um “Rhode,” para mandar no pedaço e o capão. Capão? Do que se trata? Bem, capão é aquele galo que quando ainda frango sofre de uma pequena cirurgia na croaca onde é extirpada a sua macheza e adulto vira o capão. Lá em casa, pelo menos lá, o capão era de muita serventia. Quando uma galinha saía do choco e os pintainhos eram logo separados da mãe que retornava à sua função de poedeira. A “criançadinha” ficava aos cuidados do capão. E precisam ver só que mãe adotiva de qualidade é um capão. Cuida dos pintinhos com desvelo de mãe estremada. Uma lindeza. E é de uma delicadeza...

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Em nosso quintal tivemos um capão que se chamava Darci. Sim, Darci, porque este pode ser nome de homem e de mulher. Quem o batizou foi minha irmã que tinha muito carinho por Darci, tanto que quando seu afilhado empenado foi para a panela de pressão, minha irmã ficou revoltada, chorou que só. Ela gostava mesmo desse mal-afortunado que viveu conosco bem uns cinco anos. Quando a criatura foi da panela à mesa, minha irmã, entre umas duas lágrimas, em sinal de protesto comeu só uma asinha e a moela de Darci. Não quis mais nem um pedacinho.

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Quem me fez hoje lembrar de Darci, foi Fred, meu cão de quarenta quilos de muita agitação e energia. Noutro dia o veterinário recomendou:


Eu anda tentei aliviar.


Estou relutante. Fazer isso com meu parceiro de caminhadas, de tão estreita convivência? Minha cara-metade ainda insiste:


Será? Bem, pelo menos é o que dizem. Quando me disseram isso, logo me lembrei de Darci. Fred vai latir mais fino? Esse adorável brutamontes vai ficar cheio das delicadezas? Hoje é um bom guardião, que o diga a galerinha do “delivery”. Noutro dia tascou os dentes na mão de um coitado que veio trazer meus remédios.
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Angustia-me saber que ele possa perder essa braveza, esse senso de proteção.

Só que outro dia, conversava com minha consorte enquanto esta picava uma cebola com uma faca afiadíssima. Eu, ansioso para resolver umas pendengas, e ela tentando me desacelerar.


Disse isso segurando aquela faca. Em um segundo um filme passou em minha mente: meus tempos de menino, a minha rua, minha casa, meu quintal e... E? E Darci.

Olhei para ela, para aquela faca. Lembrei-me do que dissera o veterinário: Quando tirar tudo a ansiedade passa. Então, só fiz dizer:


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