A passagem de efemérides, principalmente de datas cheias, leva ao reavivamento de fatos passados relacionados com as comemorações. E não...

O Negro Gato e outros esquecidos

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A passagem de efemérides, principalmente de datas cheias, leva ao reavivamento de fatos passados relacionados com as comemorações. E não seria diferente no caso dos oitenta anos de Roberto Carlos, indiscutivelmente nosso cantor mais popular.

Livros estão sendo lançados, outros com publicação programada, sempre destacando a importância do cantor capixaba para a criação, no Brasil, de uma música que, inicialmente, era o similar nacional do rock norte-americano do final da década de 1950 e, depois, da chamada
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“invasão britânica” (Beatles, Rolling Stones, Animals e outras bandas) dos anos 1960. Esse movimento musical tupiniquim ficou conhecido como Jovem Guarda, nome de um programa comandado por Roberto Carlos, entre 1965 e 1968, na TV Record de São Paulo.

Roberto Carlos, pelo imenso sucesso que conseguiu na época da Jovem Guarda, praticamente relegou para uma posição de meros coadjuvantes os demais cantores que interpretavam aquele tipo de música, como Erasmo Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani e outros menos destacados. Mas, quem produzia a música que motivou o grande sucesso popular de Roberto Carlos no período da Jovem Guarda? Quem eram os seus compositores?

Depois de uma fase inicial, em que prevaleceram as versões de sucessos internacionais, as músicas dos discos de Roberto Carlos passaram a ser produzidas (à exceção das que eram feitas pelo próprio Roberto em parceria com Erasmo Carlos) por compositores fixados no Rio de Janeiro e que têm os seus nomes, atualmente, praticamente esquecidos, como a mineira Helena dos Santos, o capixaba Edson Ribeiro, o pernambucano Pilombeta (Sebastião Ladislau da Silva) e o carioca Getúlio Côrtes.

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Praticamente todos os componentes desse grupo de autores tinham origens humildes, suburbanas e sem grande formação escolar. Esse perfil social se contrapunha àquele dos compositores contemporâneos que faziam a música (originária da bossa nova) que veio, depois, a ser rotulada de MPB, que eram de classe média, universitários e moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro. A disparidade de classes se refletia na música que era produzida pelos dois grupos. Os compositores da Jovem Guarda faziam canções com harmonias simples e letras ingênuas, em contraste com as harmonizações complexas e as elaboradas construções poéticas feitas pelos herdeiros da bossa nova.

Um dos casos mais representativos dos autores que, nos anos da Jovem Guarda, faziam músicas para os discos de Roberto Carlos é o de Helena dos Santos. O marido de Helena faleceu jovem, deixando-a grávida e com outros cinco filhos para criar.
Para sustentar a família, ela trabalhava como faxineira e costureira e, se valendo dos rudimentos de rimas que o marido havia lhe ensinado, resolveu compor uma música, no estilo do rock que tocava no rádio na época. Nas suas palavras:

A primeira música que fiz foi como uma inspiração. Era aquela melodia na cabeça o dia todo! Resolvi colocar numa fita e mostrar aos meus filhos. Eles a acharam sensacional e recomendaram que eu procurasse um cantor que estava surgindo: Roberto Carlos. Eu ainda não o conhecia, e até encontrá-lo foi um custo. Quando consegui, contei-lhe toda a minha vida e dificuldades. Com uma compreensão enorme, ele me escutou, ouviu a canção e prometeu gravá-la. A música era “Na lua não há” que foi um sucesso na época.

Depois de Na lua não há , gravada no primeiro disco de Roberto, considerado como da Jovem Guarda (Splish Splash), Helena dos Santos teria mais nove músicas gravadas pelo cantor, entre elas Meu grande bem , Sorrindo para mim, Esperando você , Do outro lado da cidade , Agora eu sei e O astronauta , as duas últimas em parceria com Edson Ribeiro.


Outro nome, que contribuiu com diversas composições nos discos de Roberto Carlos, no período da Jovem Guarda, foi o capixaba Edson Ribeiro. Não precisas chorar , Aquele beijo que te dei, e Custe o que custar foram músicas compostas por Edson Ribeiro que se transformaram em grandes êxitos na carreira de Roberto Carlos.


Pilombeta, nascido em Glória do Goitá, na Zona da Mata de Pernambuco, o compositor de Escreva uma carta meu amor (com Tito Silva) e Tudo que sonhei , foi também um dos desconhecidos autores de sucessos de Roberto Carlos. Apesar de, durante certo período, suas canções frequentarem as paradas de sucessos, Helena dos Santos, Pilombeta e Edson Ribeiro, ao morrer, já estavam em total esquecimento pela mídia.

O compositor mais presente nos discos de Roberto Carlos da época da Jovem Guarda foi o carioca, nascido no bairro de Madureira, Getúlio Francisco Côrtes, carinhosamente apelidado de Negro Gato, por conta de uma das suas músicas mais conhecidas, até hoje sempre regravada. Getúlio Côrtes teve catorze composições gravadas por Roberto Carlos e conseguiu a proeza, nunca alcançada por outro compositor, de ter mais de uma música em um mesmo disco de Roberto.


Em depoimento ao jornalista Tárik de Souza (incluído no livro MPBambas,Vol.2, Kuarup, 2017), Getúlio Côrtes contou que se iniciou no meio artístico como “roadie”, carregando instrumentos para o conjunto Renato e seus Blue Caps, que viria a fazer a primeira gravação de “Negro Gato” tendo Erasmo Carlos como o vocalista da banda.

No disco de Roberto Carlos de 1965, cujo título era Jovem Guarda, Getúlio Côrtes conseguiu incluir duas músicas: O feio e Pega ladrão . E não parou mais. Nos discos seguintes, sempre colocava uma, ou duas músicas.
Entre as mais conhecidas, além de “Negro Gato”, estão Você deixou alguém a esperar , Quase fui lhe procurar , O gênio , Nada tenho a perder e a balada O tempo vai apagar (com Paulo César Barros), no mesmo estilo e nível de qualidade da canção A whiter shade of pale , o maior hit do grupo inglês Procol Harum.

Getúlio Côrtes, o Negro Gato, com 83 anos, é um dos poucos autores remanescentes da Jovem Guarda. Gravado por artistas como Raul Seixas (Pega ladrão), Luís Melodia (Quase fui lhe procurar) e até pelo vanguardista paulista Itamar Assumpção (Noite de terror) é, quase sempre, esquecido (como, também, os demais compositores que fizeram a Jovem Guarda) nas abordagens daquele movimento da música jovem que ocorreu, na década de 1960, no Brasil. Getúlio Côrtes comentava, no seu depoimento a Tárik de Souza, esta situação:

Até se você me permite eu tocar nesse assunto. É que muitos compositores da Jovem Guarda são ignorados pela mídia. E a Jovem Guarda tinha muitos bons compositores. (Ficaram) só Roberto e Erasmo. A Helena dos Santos, que fez grandes coisas que o Roberto gravou [...] Edson Ribeiro era amigo de infância do Roberto, em Cachoeiro de Itapemirim. Fez umas sete ou oito músicas pro Roberto, lindas […]

Em outro trecho do seu depoimento, Getúlio Côrtes afirmava resignado:

Mas, depois você sabe que tudo passa. Mas o que eu fico satisfeito, é que as pessoas sempre resgatam músicas nossas.


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  1. Vivendo e aprendendo. Realmente, Roberto Carlos, principalmente, mas muitos dos ídolos da Jovem Guarda aproveitavam músicas americanas e gravavam com versões brasileiras, como as que eram compostas por Getúlio Côrtes.
    Mas, para mim, a maior expressão da Jovem Guarda, aquele que mais se identifica com o lado musical do movimento cultural, é Renato e Seus Blues Caps!
    Parabens, Flávio!

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  2. Muito bom. Esquisito, esse negócio de fama.

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  3. Excelente texto, realmente não lembro da mídia comentar nada a respeito. Apenas Roberto e Erasmo. Helena e outros compositores no esquecimento. Parabéns, Flávio!

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  4. Anônimo2/1/24 14:35

    "Negro gato" é "Three cool cats", gravada pelos Beatles. Nunca foi de Getúlio Côrtes.

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